Por Letícia Fucuchima

SÃO PAULO (Reuters) -O Ministério de Minas e Energia publicou nesta terça-feira uma proposta de abertura do mercado livre de energia elétrica para todos os consumidores atendidos em alta tensão, avançando com um pleito antigo do setor elétrico por redução efetiva dos limites regulatórios para migração.

A medida, colocada em consulta pública, permite que todos os consumidores atendidos em tensão igual ou superior a 2,3 kilovolts (kV) possam optar pela compra de energia de qualquer supridor –gerador ou comercializador– a partir de 1º janeiro de 2024.

Atualmente, as regras estabelecem limites de carga bem superiores para a adesão ao chamado “ambiente de contratação livre”, ou ACL. Hoje, somente consumidores com carga igual ou superior a 1.000 kilowatts (kW) –unidade de potência– podem migrar e, a partir de janeiro de 2023, o limite de carga cairá para 500 kW.

No mercado livre, geradores e comercializadores negociam diretamente preços e condições de compra e venda de energia com consumidores. Já no mercado regulado, os consumidores têm sua compra de energia atendida pelas distribuidoras.

Na visão da Abraceel, associação que representa comercializadores de energia, a proposta traz um avanço efetivo na agenda de liberalização do mercado, podendo proporcionar uma quantidade ainda maior de migrações ao ambiente de contratação livre.

A associação estima que a medida pode beneficiar um grupo adicional de 106 mil consumidores, com conta de luz superior a 20 mil reais mensais, que estão conectados à rede de alta tensão mas ainda sem autorização legal para aderir ao ACL.

Se todos esses consumidores migrassem, a participação do mercado livre no consumo nacional de energia subiria a 48%, ante os cerca de 35% atualmente, calcula a Abraceel.

“(A portaria) Dá continuidade ao processo que vinha ocorrendo nos últimos anos, mas que era apenas de fim da reserva de mercado, agora finalmente avança na abertura efetivamente, e com isso vai trazer mais eficiência e competição ao setor”, disse à Reuters Bernardo Sicsú, vice-presidente de Estratégia e Comunicação da Abraceel.

Sicsú explicou que as portarias publicadas pelo governo em 2019 –último grande marco no sentido de abertura do mercado– tornavam livres consumidores que antes só podiam migrar ao ACL como “consumidores especiais”, dos quais se exige a compra de energia incentivada (eólica, solar, biomassa e pequena central hidrelétrica).

“Não havia se avançado até então abaixo dos 500 kW, agora há sinalização de uma abertura total do grupo A (alta tensão)”.

O ritmo de migrações ao mercado livre de energia vem crescendo nos últimos anos, impulsionado pelas condições mais atrativas de compra de energia se comparadas às do mercado cativo, sobretudo após a alta de custos com as bandeiras tarifárias.

Segundo cálculos da Abraceel, consumidores que contratam energia direto de um fornecedor obtêm, em média, um desconto de 30% ante os preços do mercado regulado.

COMERCIALIZADOR VAREJISTA

A minuta de portaria normativa publicada nesta terça-feira define ainda que esses consumidores serão representados por comercializadores varejistas na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Modalidade ainda incipiente no Brasil, o comercializador varejista atua junto a consumidores de pequeno porte que, diferentemente das grandes empresas, não possuem equipes especializadas em gestão de energia elétrica, necessitando de maior suporte e acompanhamento.

O segmento varejista entrou no radar de grandes empresas do setor elétrico, como AES Brasil, Auren e Omega, que vêm reforçando seu braço de comercialização de energia para se preparar para abertura total do mercado.

A figura do varejista vem avançando lentamente no país, com cada vez mais comercializadoras interessadas nesse nicho, mas ainda não deslanchou. Pelos dados da CCEE, até o fim do ano passado somente 37 de mais de 400 comercializadoras estavam aptas a operar como varejistas.

A ausência de uma maior oferta de produtos específicos para consumidores de energia de pequeno porte vem limitando o crescimento do mercado livre.

Segundo um estudo da CCEE, existem quase 70 mil unidades consumidoras que, pelas regras atuais, já poderiam migrar para o mercado livre, mas não o fazem principalmente por não encontrarem no mercado produtos para suas necessidades.

A consulta pública com a proposta do Ministério de Minas e Energia ficará a aberta pelo prazo de 30 dias.

BAIXA TENSÃO

Com relação aos consumidores em baixa tensão, como as residências, a pasta disse em nota que neste momento não seria possível abarcá-los na abertura de mercado, “tendo em vista a necessidade prévia de que sejam promovidas evoluções legais e regulatórias decorrentes de uma eventual inclusão, de modo a resguardar a sustentabilidade da abertura de mercado para esse segmento”.

A Abraceel defende que o governo já poderia estabelecer um prazo para abertura à baixa tensão, mas observa que essa discussão de liberalização total do mercado ainda está em curso no Congresso, principalmente sob o PL 414.

“Continuamos confiantes que o PL possa avançar, teremos uma janela importante logo depois do primeiro turno das eleições, quando o Congresso retoma para discussões de pautas estruturais… essa é uma das poucas pautas de reforma de infraestrutura que não avançou.”

Neste ano, o Congresso chegou a sinalizar uma aprovação célere do PL 414, mas no fim acabou sendo criada uma comissão especial para proferir um parecer sobre o projeto.

(Por Letícia FucuchimaEdição de Eduardo Simões e Roberto Samora)

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