Quando nasceu, em 1967, a ideia de uma Zona Franca (ZFM) e de livre comércio na região Amazônica era uma convergência de interesses. Nem todos eram econômicos. Tratava-se de uma estratégia do então presidente Arthur da Costa e Silva, o segundo após o golpe de 1964, de tentar manter povoadas as regiões que poderiam ser ocupadas por nações comunistas ou investidas americanas. Havia também a pressão econômica do fim do Ciclo da Borracha, já que fábricas do produto sintético surgiam nos grandes centros. Por fim, existia um interesse diplomático de se consolidar a narrativa de que o governo militar brasileiro queria se mostrar ativo no comércio global e a região amazônica seria um bom centro logístico. E assim se foram 55 anos. O espaço continua lá, segue recebendo incentivos para manutenção e continua ativo e operante, ainda que nenhuma das premissas usadas em sua fundação seja mais necessária. Então, por que ela ainda existe?

A dúvida de ter ou não ter o Polo Industrial de Manaus (PIM) permeou discussões ministeriais em todos os governos desde a redemocratização do País, mas nenhum deles ousou mexer efetivamente no espaço. Agora, o tema voltou à mesa. Mas a abordagem não foi direta. Há algumas semanas o presidente Jair Bolsonaro vinha falando de uma medida para desafogar empresários. Paulo Guedes, ministro da Economia, em pelo menos três encontros públicos falou sobre benefícios e distorções fiscais que desequilibram a indústria brasileira. Com essa cama armada, veio, na sexta-feira (25), o decreto que reduzia em até 25% a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a economia. Com renúncia fiscal de R$ 19,5 bilhões neste ano, o plano é reverter essa cifra com arrecadação no consumo, emprego e elevar o PIB.

PLANO DE GOVERNO Bolsonaro tem falado sobre distorções na indústria e quer diminuir abismo. (Crédito:AFP)

O problema é que essa medida enfraquece as empresas instaladas em toda a região do PIM , que emprega hoje 106 mil pessoas e faturou R$ 158,2 bilhões em 2021. Com o IPI reduzido, o preço do produto que sai desta região e vai para o resto do Brasil ou é exportado deixa de ser competitivo. E quem atua por lá não gostou nada. Em sua defesa, o presidente afirmou à Rádio Jovem Pan que a medida será uma reindustrialização do Brasil, e disse não ver como a redução “prejudicaria os industriais que atuam por lá”.

No Congresso, o decreto foi criticado. O senador Omar Aziz (PSD-AM) disse que, diferentemente de outras tentativas de governos passados, “este ataque não é pontual, contra um segmento, mas contra todos”, disse. Segundo ele, isso causará um efeito econômico devastador na região. “Não será do dia para a noite que Manaus irá desenvolver uma nova alternativa econômica.” Ao anunciar o decreto, Guedes queixou-se dos benefícios fiscais concedidos à Zona Franca. Segundo ele, não fossem as isenções dadas ali, o corte no IPI poderia ser de até 50%.

O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), passou o Carnaval reunido com assessores, técnicos e representantes do PIM para pensar em uma estratégia. A primeira delas é uma carta aberta, endereçada ao governo federal. Segundo o prefeito, nesse momento, o objetivo é dialogar. Uma sugestão seria que as empresas que já passam pelo Processo de Produção Básica (PPB), que é uma espécie de seleção para obter os incentivos fiscais da ZFM, tenham sua categoria de produtos retirada da lista de redução do IPI. Em 2021, o setor com melhor desempenho dentro da Zona Franca foi o setor de Bens de Informática, com faturamento de R$ 44,4 bilhões e alta de 40,65% na comparação com 2020.

Mateus Bonomi

“O ataque à Zona Franca de Manaus não é pontual e o estado do Amazonas sofrerá as consequências do decreto” Omar Aziz Senador (PSD-AM).

VOZES DISSONANTES Se há esse movimento para manutenção dos benefícios, economistas também avaliam se não é a hora de rever a Zona Franca. Luis Carlos Longo, professor de macroeconomia e doutor em políticas públicas de desenvolvimento, é um deles. Segundo o acadêmico, o PMI não se desenvolveu como referência em pesquisa e pensamento científico, não aproveitou as características da região e se reduz a um chão de fábrica que poderia ser recolocado em qualquer outra região. “Por muitos anos houve, por parte dos empresários, um discurso de que a existência do polo freava o desmatamento. Isso caiu por terra.”

Em 2006, uma pesquisa encomendada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), autarquia do Ministério da Economia, revelou que boa parte das empresas instaladas na região não possuía descarte de resíduos tóxicos adequados, com contaminação de solo e de aterros. Também não havia planos de tratamento de água ou cuidado específico do esgoto. Janaína Senna, professora de economia verde e pesquisadora da região amazônica, resumiu: “Enfiar 300 indústrias aleatórias em uma região tão rica não é transformar o local. É deformar”. Para ela, a transformação da região Amazônica devia atrair outro tipo de indústria. “O futuro da medicina e da sobrevivência humana passa pela ciência ambiental. A região amazônica poderia ser o centro dessas pesquisas.” Para que isso aconteça não é preciso ver do que a região precisa, e sim enxergar onde estão suas potências.