A dúvida que assola o príncipe dinamarquês Hamlet, de William Shakespeare, em sua célebre frase “to be, or not to be, that is the question” (ou “ser ou não ser, eis a questão”) é a abertura de um monólogo que simboliza a vida e a morte, mas passou a ser usada todas as vezes que alternativas colocadas à frente do emissor parecem igualmente atraentes. Esse é o caso de políticas econômicas que usam artifícios como zerar imposto para fomentar a economia ou, no caso do Brasil e de Paulo Guedes, aliviar a pressão. Na última semana, o ministro da Economia reduziu o imposto de importação em 11 produtos considerados decisivos na conta da inflação. A estimativa é que a medida represente uma renúncia de R$ 700 milhões ao governo até o fim do ano, mas seu efeito pode ser mínimo no controle dos preços e irrisório no bolso dos consumidores. Isso porque a incerteza com a economia e com o futuro tem papel determinante na situação que vivemos agora.

O próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já tratou sobre esse potencial limitado. “Você abaixa um imposto ou faz alguma coisa que abre mão de receita para obter um preço do produto mais baixo naquele momento. Estruturalmente você não está ajudando [a combater] a inflação”, disse em live no começo de maio. No entendimento dele, o governo até pode verificar uma queda nos preços no curto prazo, mas “na parte de expectativa de inflação, isso vai se incorporar e esse elemento tende a prevalecer estruturalmente, no médio e longo prazo.”

E a situação de descontrole da inflação no Brasil inspira atenção especial. Só em abril, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,06%, mais alta cifra em 26 anos, segundo o IBGE. Nos últimos 12 meses, o IPCA bateu 12,13%, a maior marca desde outubro de 2003. C om esses números pressionando o bolso do brasileiro (e sustentando a reprovação do presidente Bolsonaro em ano eleitoral) a estratégia de Guedes era agir na canetada e cortar impostos. Ao todo foram 11 itens que tiveram suas tarifas de importação zeradas ou bastante reduzidas e que, segundo estimativa da Câmara de Comércio Exterior (Camex), até o dia 31 de dezembro, responderá por uma renúncia fiscal de R$ 700 milhões. O próprio secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, confirmou que a medida de zerar o imposto era uma tentativa para conter a disparada da inflação. Ele, no entanto, admite que essa medida, isolada, não tem capacidade de reverter a situação, “mas os empresários pensam duas vezes antes de aumentar os preços dos produtos.”

OLHAR DO EMPRESÁRIO Mas parte do empresariado se mostra cética. Entre os que atuam no ramo alimentar, o discurso geral é de impacto mínimo. Um deles, inclusive, afirmou que há um entendimento de que todo e qualquer alívio na cadeia será usado na recomposição dos preços represados na pandemia. “Tudo que por ventura sobrar, a empresa vai sentar em cima”, disse. Para o executivo, a maior parte da pressão nos preços hoje vem do dólar e do custo logístico. Entre os produtores de aço também há ressalvas. O Instituto Aço Brasil divulgou um comunicado reportando que a redução da tarifa de importação do vergalhão para 4% é “inadequada, uma vez que o mercado se encontra plenamente abastecido e o impacto inflacionário do vergalhão é de apenas 0,03 ponto percentual no IPCA”, disse a entidade. A entidade acrescentou que “o Brasil, ao reduzir o imposto de importação, facilitará ainda mais o desvio de comércio para o país”.

Entre os otimistas (mas com cautela) aparecem as entidades setoriais dos ramos da construção civil e varejo, que esperam se abastecer de produtos com preços mais baixos. O presidente de uma grande entidade setorial dos varejistas, no entanto, disse que é preciso cautela. “O sinal que recebemos dos fornecedores é que a redução do imposto vai apenas suprir os aumentos que foram represados nos últimos meses”, disse.

Célio Lembo, advogado tributarista e professor de macroeconomia da Universidade de São Paulo, afirma que a contenção da inflação, neste momento, está mais associada ao que definiu como “macrogerenciamento”. Na prática ele conta que é preciso criar movimentos grandes e que garantam estabilidade do País. Alguns exemplos seriam novas âncoras fiscais, comprometimento com as instituições democráticas, reforma tributária e desempenho melhor na diplomacia. “Esses são os sinais que acalmam o mercado dentro e fora do Brasil e injetam endorfina na economia.” O problema, segundo ele, é que o governo cria soluções paliativas para “jogar a culpa nos empresários que não baixarem os preços”. Agora, ao repensar a indagação de Hamlet tendo como cenário um Brasil empobrecido e apreensivo com o futuro, sobra apenas a resposta do cearense Belchior. “É bom mesmo tomar cuidado com quem entende do riscado/To be or not to be quer dizer ter ou não ter.”