Antes reservados a um pequeno grupo de especialistas, os investimentos de brasileiros no mercado internacional vêm crescendo aceleradamente. No fim de 2016, segundo dados do Banco Central (BC), as aplicações em títulos de renda fixa fora do Brasil somavam US$ 9 bilhões. Ainda não há dados consolidados para 2017, mas a estimativa do mercado é que essa cifra possa superar US$ 11 bilhões, um avanço de mais de 20%. No caso dos fundos off-shore, que investem seu patrimônio em ativos internacionais e cujos dados são divulgados com mais regularidade, também é possível detectar um aumento do interesse do investidor.

Segundo a Anbima, associação que representa o setor, esses fundos tinham R$ 36,7 bilhões em dezembro de 2016. No fim do ano passado, esse montante havia subido 11,7%, para R$ 41 bilhões. “A queda dos juros e as mudanças na legislação estimularam um crescimento significativo na demanda pelas aplicações no exterior”, diz Marcus Vinícius Gonçalves, presidente da subsidiária brasileira da gestora de recursos americana Franklin Templeton, que administra ativos de US$ 753 bilhões no mundo e tem US$ 50 bilhões investidos no Brasil.

Pregão em Wall Street: apesar da visibilidade das bolsas americanas, as ações ainda atraem pouco dinheiro dos brasileiros que investem em ativos no exterior (Crédito:Spencer Platt/Getty Images/AFP)

Em 2015, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) facilitou os investimentos em fundos internacionais. Antes, era necessário investir, no mínimo, R$ 1 milhão em cada fundo. Agora, o investidor que tiver R$ 1 milhão pode distribuir esse montante, em fatias menores, por aplicação. “A partir dessa alteração, os gestores padronizaram seus fundos com aplicações entre R$ 25 mil e R$ 50 mil, o que tornou mais fácil investir no mercado externo”, diz Gustavo Pires, chefe da plataforma de fundos da distribuidora de produtos financeiros XP Investimentos.

Essa mudança atraiu novas empresas ao País, e ampliou a oferta de produtos. Um exemplo é o da gestora americana Pimco, uma das maiores do mundo em renda fixa, que aportou por aqui no primeiro trimestre de 2016. Ela lançou um fundo multimercado dedicado a investimentos internacionais, que captou R$ 8,9 bilhões e, ainda hoje, é o maior de sua categoria. “Essa é uma classe de investimento que não existia há três anos”, diz Gonçalves, da Franklin Templeton. As casas tradicionais também se adaptaram, caso da gestora de fundos do Bradesco, a Bram. A empresa administra um fundo que compra bônus de empresas brasileiras no mercado global dedicado apenas aos clientes institucionais. Agora, ela está preparando o lançamento de uma versão mais acessível, destinada ao varejo de alta renda.

No mercado externo, os papéis soberanos e de empresas brasileiras rendem mais com os juros baixos. Observe esse exemplo. Atualmente, um título público de dez anos rende 9,75% ao ano em dólares, acima dos 6,4% pagos por um título público em reais, comprado aqui mesmo. Isso também vale para as companhias. Em agosto do ano passado, a Petrobras vendeu um título de renda fixa com cinco anos de prazo e pagou juros de 106,7% do CDI mais 0,66% ao ano. Naquele momento, a taxa de lançamento era de 10,41% ao ano.

Marcus Vinícius Gonçalves, presidente da Franklin Templeton no Brasil: “A queda dos juros e as mudanças na legislação estimularam um crescimento significativo na demanda pelas aplicações no exterior” (Crédito:Rafael Hupsel / Ag. Istoe)

No mercado europeu, o mesmo título, denominado em euros, pagou 114,8% do CDI mais 1,37%, ou 11,86% ao ano, já descontadas as taxas de proteção cambial. “O cliente pode contar, ainda, com a liquidez maior do mercado externo”, diz Clayton Rodrigues, gestor de fundos de renda fixa da Bram. Há muito espaço para crescer. Segundo a XP, menos de 1% dos R$ 4 trilhões investidos em fundos brasileiros estão aplicados em ativos internacionais. “Os juros devem permanecer baixos por algum tempo e o cliente poderá comparar a rentabilidade das aplicações internacionais com as brasileiras e ficar cada vez mais confortável para aumentar a exposição”, diz Gonçalves.

O apetite do investidor brasileiro é crescente, mas a demanda se concentra em aplicações conservadoras. Gestores destacam a preferência pelos títulos de renda fixa soberanos e de grandes empresas e pelos fundos comparáveis aos multimercados brasileiros. A moda mais recente é a dos chamados investimentos alternativos, que são papéis de países menos óbvios, como Polônia ou Indonésia. Eles pagam juros mais altos do que os das economias desenvolvidas, mas seus riscos são maiores. Na quinta-feira 5, os títulos de dez anos do governo da Indonésia, denominados em dólares, estavam pagando 6,62% ao ano. Já os papéis poloneses de prazo equivalente pagavam 3,12% ao ano. Um título americano rende 2,88%.

Apesar da visibilidade de Wall Street, as ações ainda atraem pouco dinheiro. Segundo Pires, da XP, o cliente tem trilhado um caminho parecido com o que percorreu no mercado brasileiro, quando saiu das cadernetas de poupança em direção aos Certificados de Depósito Bancário (CDB) e, posteriormente, fundos multimercados e imobiliários. “Ainda estamos em uma fase de reconhecimento desse mercado”, diz. Mesmo assim, tudo indica que mais investidores devem aceitar correr os riscos do mercado de ações. Um dos setores que chama a atenção dos recém-chegados são as empresas de tecnologia dos EUA, embora o peço dos papéis tenha desvalorizado nas duas últimas semanas por conta do escândalo de dados do Facebook. Mas há outros pontos de atração. “A demanda por ações de setores pouco representados na Bolsa brasileira, como biotecnologia e indústria farmacêutica, está crescendo”, diz Gonçalves.