Seis mil empresas brasileiras, entre públicas e privadas, são beneficiadas com uma isenção fiscal no valor estratosférico de R$ 1,9 bilhão por ano. Na semana passada, DINHEIRO teve acesso a um levantamento confidencial do Ministério da Previdência com o ranking das 20 empresas que apresentam os maiores volumes de renúncias previdenciárias. A fuga fiscal corresponde ao não recolhimento dos 22% da cota patronal da contribuição previdenciária. Juntas, elas detêm um quarto da renúncia fiscal, totalizando R$ 426,06 milhões, uma paulada no bolso do contribuinte que, via impostos, acaba doando dinheiro público para que as empresas funcionem no mundo capitalista. Entre as 10 maiores renúncias, apenas três entidades não cobram nada pelos seus serviços. Todas as outras, apesar de trabalharem com obras sociais, têm seus préstimos remunerados de alguma forma. Entre elas, segundo investigação do Ministério da Previdência Social, está a Fundação Cásper Líbero, de São Paulo, que além de manter uma faculdade particular, tem ainda uma emissora de tevê, um jornal e uma rádio FM. Parece incrível, mas segundo a Previdência a isenção da Fundação pode chegar este ano a R$ 35,03 milhões.

Duas universidades católicas também constam da relação. A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) vai deixar de recolher cerca de R$ 28,39 milhões em contribuições previdenciárias. Já a PUC de São Paulo terá uma isenção de R$ 23,6 milhões. Na capital paulista, a PUC alega que a renúncia é revertida na forma de bolsas de estudo para 25% do seu quadro de 20,5 mil alunos. Também justifica a isenção com o atendimento gratuito de saúde à população carente. Detalhe: a PUC cobra mensalidades que variam de R$ 585 a R$ 1.700, mas adverte que, sem a isenção, teria de cobrar mais. As outras universidades foram procuradas pela reportagem da DINHEIRO, mas não responderam. Na lista também está o Hospital Albert Einstein, um dos mais caros de São Paulo, com uma renúncia estimada em R$ 27,8 milhões. ?O que muitas entidades fazem não é filantropia, é pilantropia?, dispara o ministro da Previdência Social, Waldeck Ornélas. ?As críticas são absolutamente injustas?, diz o médico Cláudio Lottenberg, vice-presidente corporativo do Einstein. ?O governo está misturando instituições sérias como a nossa com outras que não são.? Segundo ele, os R$ 27,89 milhões em renúncias estimadas para este ano pelo hospital correspondem a menos de 40% do que normalmente é gasto pela entidade em obras de assistência social. O Hospital Sarah Kubitschek, beneficiado com R$ 26,5 milhões, dá o exemplo: não cobra um tostão por seus milhões de atendimentos. Das 200 empresas que mais recebem isenções, a grande maioria está instalada no Sul e no Sudeste. Totalizam R$ 1,2 bilhão em renúncias, 80% do total. Além disso, o salário médio pago pelas entidades é bem maior do que as empresas que não são filantrópicas. Enquanto o salário médio geral pago pelas empresas fica em torno de R$ 654,89, o das filantrópicas é de R$ 821,89, ou seja, 26% maior. Juntas, as seis mil entidades, que incluem até clubes de futebol, têm uma folha salarial de R$ 6,5 bilhões para pagar 600 mil empregados. As entidades mantêm um setor de filantropia reduzido, quase simbólico, para terem direito à isenção.

Há denúncias de que empresas usaram o dinheiro economizado com a isenção de impostos para garantir vantagens pessoais a seus diretores e sócios. Algumas delas tiveram o certificado de filantropia cassado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), ligado ao Ministério da Previdência. É o caso do Igase, instituto vinculado à Golden Cross Assistência Internacional de Saúde, que perdeu a isenção depois de ser acusada de pagar operações de cirurgia plástica para integrantes do Conselho de Administração da empresa, na Clínica de Ivo Pitanguy. Outra ação foi contra a Associação de Ensino de Marília (SP), mantenedora da Universidade de Marília. Segundo o procurador José Leovegildo Oliveira, a Unimar teria desviado recursos de filantropia para comprar um avião Cessna, modelo Citation VII, avaliado em US$ 10,8 milhões, e importado um automóvel BMW, modelo 750 IL, de US$ 80 mil. Os processos ainda estão tramitando na Justiça Federal de Brasília. O governo reconhece que isso não é regra entre as instituições, mas alega que o que está em jogo é o fato de a maioria fazer filantropia com chapéu alheio. O Brasil é hoje o único país no mundo onde existe este tipo de isenção. Nos demais países a filantropia é feita com recursos próprios e não às custas da seguridade.