No fim de setembro, durante quatro dias, o estádio Allianz Parque, construído pela WTorre e concedido pelo Palmeiras à empresa por um período de 30 anos, recebeu shows de nove grupos internacionais, como The Who, Guns n’ Roses, Aerosmith e Bon Jovi. Apenas três dias depois, toda a infraestrutura estava desmontada e o gramado, pronto para o clássico Palmeiras e Santos. No dia 10 de outubro, foi a vez de receber o jogo da seleção brasileira contra o Chile. O nível de atividade da arena, localizada em um bairro nobre da capital paulista, já é um dos mais altos do mundo. Neste ano, serão 2 milhões de visitantes, contando eventos, shows e jogos de futebol. Em 2016, foram 14 datas de shows. Para 2017, serão 17. “Tanta atividade estava projetada para o sexto ou sétimo ano de operação”, diz Rogério Dezembro, CEO da WTorre Entretenimento. “Não para o terceiro.”

A grandiosidade da operação é um símbolo da principal característica do engenheiro Walter Torre Júnior, fundador da empresa: a ousadia em seus projetos. Isso levou a WTorre a ficar conhecida pela velocidade de decisão e construção de empreendimentos complexos e de grande porte, como o próprio estádio do Palmeiras, o shopping JK Iguatemi e o conjunto de prédios corporativos em seu entorno, e um projeto portuário no Maranhão. Mas é também essa grandiosidade e ousadia, com um certo descuido do empresário com os custos, a que se credita grande parte dos problemas que a empresa enfrenta desde que o mercado de construção entrou em crise. A companhia acumulou uma dívida de quase R$ 2 bilhões, o que é um grande peso sobre as suas operações. Afinal, o faturamento caiu nos últimos anos. Em 2013, a receita da construtora, que representa mais de metade dos negócios do grupo, atingiu R$ 1,2 bilhão.

No ano seguinte, baixou para R$ 818 milhões. Depois disso, a WTorre não divulgou os resultados de 2015 e 2016, apesar de o fundador admitir que o faturamento continuou a cair. A crise foi tão pesada que os salários dos funcionários chegaram a atrasar. A solução foi contratar no início deste ano a Ivix, uma empresa de reestruturação criada por Nelson Bastos, ex-presidente da Gradiente e ex-executivo de empresas como o grupo Villares, a Brasil Ferrovias e a Varig. A Ivix adota um modelo diferente de consultoria. Ela não apenas traça o plano, como o implementa, fazendo questão de colocar um dos seus sócios no comando da companhia contratante. No caso da WTorre, essa tarefa está nas mãos de Pedro Guizzo, que assumiu a presidência da construtora em janeiro, e garantiu à DINHEIRO que a WTorre não entrará em recuperação judicial. “Estudamos as opções e verificamos que a recuperação judicial não é o caminho mais adequado”, diz Guizzo.

Dentro e fora do portfólio: o projeto inicial para o Allianz parque não previa a administração do estádio, mas agora virou a origem de um novo negócio. Já o JK Iguatemi acabou vendido ao Grupo Iguatemi

O seu plano prevê a venda de ativos. Em especial, os da área de infraestrutura, que inclui o Estaleiro Rio Grande, no Sul do País, e um centro de distribuição de combustíveis em Rondonópolis (MT). Alguns empreendimentos já foram negociados. O Teatro Santander, em São Paulo, foi vendido para o banco que leva o seu nome. Já a participação que tinha no JK Iguatemi resultou em negócio de R$ 640 milhões, pagos pelo sócio, o grupo Iguatemi, de Carlos Jereissati. Também alguns imóveis comerciais foram vendidos ao BTG Pactual. Nesse processo, o antigo CEO, braço direito de Torre e sócio minoritário, Paulo Remy, foi afastado do dia a dia da operação, e já embarcou em novos projetos. Em fevereiro deste ano, o executivo comprou por R$ 1,00 a BR Pharma, rede de farmácias do BTG. Como consequência de todas essas mudanças, o próprio Torre se reaproximou dos negócios neste ano.

No rearranjo atual, a importância de cada divisão da empresa está mudando. A área de incorporação de escritórios corporativos praticamente deixou de existir, depois da venda de ativos para o BTG, e refletindo a estagnação desse mercado. Já o negócio de infraestrutura tem dado algumas boas dores de cabeça. Apesar de projetos como o Porto de São Luís e do interesse em entrar em contratos como a PPP de iluminação pública de São Paulo, a divisão colocou Torre na mira das operações da Polícia Federal. O grupo acabou investigado nas operações Lava Jato e Greenfield. O empresário foi acusado de aceitar pagamento de R$ 18 milhões para não participar de licitação de um laboratório da Petrobras, no Rio de Janeiro. A concorrência foi vencida pela construtora baiana OAS. Procurado, Water Torre não concedeu entrevista.

Outra área que perdeu força foi a que deu início à empresa: a de galpões industriais e logísticos. Na década de 1980, a companhia inovou o negócio no Brasil, trazendo técnicas de construção e atraindo grandes clientes, como Nestlé, Volkswagen e Unilever, com a flexibilidade de seus projetos. Mas o segmento que tornou a WTorre uma empresa de grande porte está completamente transformado. A começar por seu tamanho. “É um mercado muito novo. Em 1992, havia 200 mil metros quadrados de condomínios corporativos no Brasil”, diz Fernando Didziakas, diretor de negócios da Buildings Pesquisa Imobiliária. Atualmente, existem no mercado 19,5 milhões de metros quadrados, um aumento de 100 vezes em duas décadas e meia.

Pedro Guizzo, consultor da Ivix: assumiu a presidência da WTorre neste ano com o objetivo de evitar uma recuperação judicial (Crédito:Felipe Rau/Estadão)

A WTorre aproveitou esse crescimento, mas também ganhou concorrentes durante o percurso. Nos últimos anos, a euforia deu lugar a um momento de preocupação. O terceiro trimestre deste ano fechou com 25% de vacância nesses empreendimentos. Com a crise econômica, o setor ficou saturado. Há 16 milhões de metros quadrados projetados que, provavelmente, não encontrarão mercado. “As dificuldades aconteceram porque houve muito volume de novo estoque, com a chegada de empresas estrangeiras, e uma crise da demanda”, diz Didziakas. “Para o mercado ficar equilibrado, o ideal seria 10% de vacância.” Dessa forma, a expectativa é de que muitos projetos nem saiam do papel nos próximos anos.

O panorama no setor de entretenimento tem sido melhor, e é onde a empresa aposta muito de seu futuro. “Foi surpreendente a resiliência desse mercado durante a recessão”, diz Rogério Dezembro. “Tivemos vários shows com ingressos esgotados em poucas horas, caso do Coldplay, do Justin Bieber e do Bon Jovi.” A meta é ampliar o número de eventos em até 40% em 2018. “A receita pode crescer um pouco mais e em alguns anos podemos dobrar o volume de negócios, quando o projeto estiver maduro”, afirma o executivo. “O elástico ainda não esticou tudo que pode.” Mas o objetivo é não depender apenas de grandes shows e jogos de futebol para faturar, mas sim atrair pessoas para o estádio todos os dias. Em novembro foi inaugurado um restaurante japonês com vistas para o gramado. Desde o início, o projeto previa uma série de opções de restaurantes. O estacionamento do estádio já possui 600 mensalistas, e conta com lava-rápido. O estádio é uma solução, mas também tem os seus problemas. Os associados que circulam pelo clube Palmeiras relatam que há muitas obras paradas. Há também uma série de reclamações de fornecedores de falta de pagamentos.

O grande projeto para 2018 é atrair eventos corporativos e shows para públicos em torno de 10 mil pessoas. Trata-se de uma antiga demanda do setor de entretenimento em São Paulo, que conta com grandes estádios, capazes de receber mais de 40 mil pessoas, e casas de shows de menos de 5 mil pessoas, mas é carente de espaços de médio porte. O Allianz começou em outubro a receber shows menores, como um festival de MPB, num espaço coberto, atrás de um dos gols. Com capacidade de receber 12 mil pessoas, o chamado Anfiteatro não usa o gramado, o que permite ter um show numa noite e um jogo de futebol no dia seguinte. Até eventos sociais e casamentos estão na mira. Afinal, nenhuma receita adicional é pequena demais para quem tem quase R$ 2 bilhões a pagar e uma empresa a salvar.