Nas primeiras semanas de 2021 os internautas brasileiros se depararam com uma novidade em seus smartphones: um aviso do WhatsApp sobre a atualização da política de privacidade do aplicativo, que será implantada em breve.

No comunicado, havia a informação de que os dados dos usuários seriam compartilhados com o Facebook (empresa detentora do app), e que aqueles que não concordassem com os novos termos, deveriam desinstalar o aplicativo. Tal extremismo gerou ruídos que inundaram as redes sociais e os veículos de imprensa, pois o cidadão sentiu-se um tanto quanto invadido em sua privacidade e chocado com o posicionamento da empresa.

Os usuários do WhatsApp passaram a questionar sobre a possibilidade e necessidade de uma empresa saber tanta informação de seus usuários e sentiram falta de poderem escolher quais dados aprovariam para o compartilhamento, ao invés de simplesmente se verem forçados a apagar o app.

Entre os dados pessoais que poderão ser compartilhados entre o WhatsApp e o Facebook constam: número de telefone e outros dados registrados na conta; informações sobre o aparelho do telefone (marca, modelo, empresa de telefonia, número de IP); dados sobre a navegabilidade na ferramenta como tempo de uso e quando o usuário está no modo “online” e fotografia do perfil do usuário.

O posicionamento radical da empresa de fato vai contra o GDPR (General Data Protection Regulation) – o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, em vigência na Europa desde maio de 2018; e também contra a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que entrou em vigor em nosso país em setembro de 2020.

Ambos os ordenamentos jurídicos colocam o titular dos dados pessoais (o usuário do aplicativo, no caso) como protagonista das decisões que envolvam suas informações (princípio da autodeterminação informativa) e estabelecem obrigações e condições para o tratamento de dados pessoais pelas empresas e órgãos públicos. Além disso, de acordo com o GDPR e a LGPD qualquer ideia, projeto, negócio, aplicativo, site etc., deve ser concebido norteando-se pelo que chamamos de “privacy by design” (em livre tradução: privacidade desde a concepção), abordagem absorvida da área de Engenharia de Sistemas que leva em consideração a privacidade aplicada desde o início do projeto, e que deverá permear toda a construção de um software. Nitidamente essa nova política do WhatsApp não está alinhada ao conceito de “privacy by design”.

Logo, diante dessa notícia, provavelmente em breve o WhatsApp poderá sofrer sanções em alguns países, face à violação ao GDPR e à LGPD.

Inclusive o PROCON do Estado de São Paulo informou que notificou o WhatsApp a prestar esclarecimentos sobre a nova política de privacidade, face ao compartilhamento de dados invasivo e coercitivo divulgado.

Na notificação, o PROCON-SP pede que a plataforma informe qual a base legal que fundamenta o compartilhamento dos dados pessoais e que, caso seja a do consentimento, deverá haver uma manifestação livre do usuário sem vício de coação dada a sua vulnerabilidade na relação estabelecida.

Dada a situação, o WhatsApp prorrogou a data em que a nova política de privacidade entrará em vigor e divulgou um F.A.Q. para acalmar os ânimos dos usuários.

Ao atualizar sua política de privacidade, o WhatsApp deveria adotar a prática de possibilitar ao usuário que escolhesse quais dados optaria por compartilhar, e, caso houvesse sua negativa, ele poderia continuar a usar o aplicativo, se este dado não for imprescindível para a prestação do serviço. Fazer uso dos chamados “dashboards de privacidade”.

Na realidade, já sabíamos que tendo em vista que o Facebook e WhatsApp são empresas do mesmo grupo, o compartilhamento de dados pessoais entre as plataformas já ocorria há tempos. Isso pode ser facilmente comprovado pelo usuário, quando este observa que surgem anúncios e links patrocinados nas redes sociais Instagram e Facebook relacionados com assuntos tratados em suas conversações do WhatsApp. Contudo, agora com a atualização da política, esse compartilhamento de dados ficou mais do que evidente.

Diante dessa invasiva novidade, os usuários passaram a migrar para outros aplicativos de mensagens, tais como Telegram e Signal, questionando-se sobre qual seria o mais seguro, em termos de privacidade.

A questão é que não há como garantir 100% de eficácia e de privacidade, quando falamos em tecnologia. Uma vez plugados na internet, abdicamos de nossa total privacidade. Cada aplicativo possui seus prós e contras, bem como funcionalidades específicas que garantem maior adesão à determinados públicos. Não há como dizermos que este ou aquele é o melhor.

O melhor aplicativo é aquele através do qual você se sente mais seguro, compreende as funcionalidades, faz uso correto das configurações de privacidade e está ciente dos riscos que corre.

Em um mundo tão digital, com relações tão dependentes da comunicação eletrônica, não podemos simplesmente nos abster de determinadas ferramentas e voltarmos à era analógica.

É preciso estarmos conscientes dos riscos, escolhermos as plataformas mais adequadas ao tipo de uso que fazemos, questionarmos as empresas sobre determinados abusos e não nos tornarmos dependentes da tecnologia. A tecnologia é que deve servir ao ser humano.

*Gisele Truzzi, advogada especialista em Direito Digital, fundadora de “Truzzi Advogados”.