Liberalismo sempre. Desde que ele não vire questão de Estado. Aí, não basta sua empresa ter mais tecnologia, ter melhor preço e não ter — até aqui — nenhuma acusação formal comprovada para ser deixada fora do jogo. Para tanto, o presidente americano, Donald Trump, declaraou “emergência nacional” na quarta-feira 15 e assinou documento que proíbe a empresas dos Estados Unidos utilizar equipamentos estrangeiros de telecomunicação que, segundo ele, coloquem em risco a segurança do país.

O destinatário do ato presidencial se chama Huawei (pronuncia-se “u-a-uei” e não “ru-a-uei”), pérola tecnológica da China. É guerra. E não é só comercial. É pelo 5G. O tema dominou o noticiário econômico global na semana. “Trata-se de uma disputa de soma zero”, disseram à agência Reuters altos funcionários do governo Trump, além de oficiais de inteligência de países ocidentais e executivos de empresas de telecomunicação, citando a situação prevista dentro da Teoria dos Jogos, em que a vitória de um participante numa disputa obrigatoriamente se dará com a total derrota do oponente. A Guerra Fria Tecnológica.

As consequências começaram já no domingo 19, quando o Google anunciou um corte nas relações com os chineses. O sistema operacional dos smartphones Huawei é o Android. Isso significa que a companhia não terá mais como oferecer, em seus novos aparelhos, produtos consagrados, como Gmail e Google Maps, além de parar de receber atualizações – com exceção das do sistema aberto, que acontecem num ritmo menor. Foi um efeito dominó. No dia seguinte, a Bloomberg informou que fornecedores americanos de chips aos chineses, como Intel e Qualcomm, seguiram pelo mesmo caminho.

A Microsoft, que não se pronunciou oficialmente, retirou de seu site de vendas o mais do que bem avaliado laptop chinês MateBook X Pro. Na segunda-feira 20, cinco dias depois de assinado o decreto, a decisão foi relaxada e haverá um período de três meses (até 19 de agosto) para que a restrição vigore. O estrago, contudo, já está feito. A China é fortemente dependente de chips importados, apesar dos esforços para desenvolver sua própria indústria. Apenas em 2018, o país importou mais de US$ 300 bilhões em chips, cruciais a qualquer produto digital. O valor é superior ao que o país importou de petróleo.

Para a Huawei, specificamente, viver sem os chips americanos deve ser o teste de fogo na guerra, apesar de a companhia ter avançado no desenvolvimento de seus próprios processadores e ter estocado prevendo situação similar à atual. Em entrevista à mídia chinesa na terça-feira 21, o fundador e CEO da companhia, Ren Zhengfei , de 74 anos, disse que em “tempos pacíficos”, metade dos chips da Huawei vieram de empresas americanas.

Dois dias após a decisão de Trump, Catherine Chen, do board de diretores da Huawei, escreveu um artigo no The New York Times dizendo que a empresa compra anualmente US$ 11 bilhões de bens e serviços de companhias americanas e que a proibição afetaria empregos americanos e “não conseguiria atingir seu objetivo de tornar as redes digitais do país mais seguras”. Isso porque, afirmou ela, a segurança das redes de telecomunicações é uma responsabilidade compartilhada por operadores, fornecedores de equipamentos e provedores de serviços justamente para reduzir riscos.

Quartel-general: em pouco mais de três décadas, a Huwaei se tornou um gigante que fatura US$ 105 bilhões, com 180 mil funcionários e presença em 170 mercados, além de líder na tecnologia 5G (Crédito:Yomiuri)

Ao mirar na Huawei, os Estados Unidos enxergam três motivos. O primeiro é o fato de a companhia ser líder mundial no fornecimento de equipamentos para telecomunicação e internet. O segundo é que se tornou, em 2018, vice-líder global na venda de celulares — passando a Apple. Mas é o terceiro ingrediente que mais alarma o governo americano: o futuro das conexões. A rede 5G tem na Huawei seu principal e mais avançado player global. De acordo com o relatório The Geopolitics of 5G, produzido pelo Eurasia Group, a China está na dianteira da Corrida Tecnológica do 5G, com pelo menos cinco anos à frente dos demais países. E a Huawei foi decisiva para colocar os chineses — insignificantes no desenvolvimento das redes 3G e 4G — num lugar de destaque nessa disputa. Atrapalhar os asiáticos por dois ou três anos pode fazer a briga pela liderança no 5G mudar de vencedor e ficar nas mãos de empresas mais alinhadas aos interesses americanos, como as europeias Ericsson e Nokia.

O 5G é mais do que tecnologia. É, de fato, um instrumento de guerra. Não se pode pensar nele como evolução de redes anteriores. Está mais para disruptivo do que evolutivo. Downloads serão feitos até 100 vezes mais rapidamente. Além de permitir esse ganho de velocidade, comportará um número exponencial de conexões. De pessoas com máquinas, máquinas com pessoas e máquinas com máquinas. Permitirá a existência desde frotas de veículos autônomo a uma casa que aprende os hábitos de seus moradores para ligar e desligar aparelhos por Inteligência Artificial. O 5G fará parecer pré-história o que se vive nos dias de hoje.

espionagem Tamanha capacidade transformou o tema em assunto de Estado. Uma documento de 3.600 palavras produzido pela Reuters e distribuído na terça-feira 21 diz que o primeiro alarme se deu no ano passdo por meio da Australian Signals Directorate, a agência de inteligência do país. Seus ciberagentes concluíram que o uso indevido do 5G poderia ser explorado para espionagem ou sabotagem — provocar de apagões elétricos a cortes no abastecimento de água de um país. O alarme foi compartilhado no grupo chamado Five Eyes (que reúne agências de inteligência de Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia). Em pouco tempo os EUA passaram a pressionar países aliados para tentar barrar a Huawei na construção de redes 5G do Ocidente.

A Austrália, por exemplo, baniu em agosto de 2018 a Huawei e a ZTE, outra tecnológica chinesa, de atuarem na infraestrutura 5G do país. Nova Zelândia e Japão seguiram pelo mesmo caminho. Depois da decisão, a Austrália diz sofrer retaliações, por exemplo, com a interrupção de suas exportações de carvão para a China. A questão, no entanto, não passa só por contra-ataques no âmbito do comércio exterior. A China pode mais. Sem empresas como a Huawei no jogo a Europa terá problemas para ter seu 5G. As grandes telecom do continente pressionam os governos locais afirmando que a tecnologia, os preços e os prazos dos chineses são ainda insuperáveis.

Por isso a Alemanha, apesar dos apelos americanos, deve seguir seu 5G com a Huawei. E o Reino Unido ainda discute o tema. O assunto tem tal complexidade que no começo do mês o então ministro da Defesa, Gavin Williamson, foi demitido acusado de vazar informações sobre a Huawei ao jornal The Telegraph. Efeitos colaterais dessa briga já haviam recaído sobre Meng Wanzhou, vice-presidente e diretora financeira da Huawei, e filha do fundador e CEO. Em dezembro, ela foi detida no Canadá a pedido da justiça americana cusada de violar sanções e Washington ao Irã. Em liberdade condicional, seu processo pode culminar em extradição aos EUA.

A empresa A Huawei, que é de 1987, hoje tem 180 mil empregados e atua em 170 mercados, com faturamento de US$ 105 bilhões em 2018 (a Alphabet/Google fez US$ 136 bi). A holding dona da empresa teria dois acionistas: Ren Zhengfei, o fundador e dono de pouco mais de 1% das ações, e o restante nas mãos de um sindicato de trabalhadores. Zhengfei é ex-oficial do Exército e ligado ao Partido Comunista, e essa proximidade ao governo é vista com desconfiança no Ocidente – além de um histórico de acusações de espionagem industrial que remontam pelo menos a 2003.

Os chineses parecem preparados para tempos duros. Neste mês, o presidente Xi Jinping disse que “desde as Guerras do Ópio, a China foi derrotada por países com menos população, riqueza e recursos geográficos de novo e de novo”. Para ele, “uma das causas era a tecnologia inferior.” Isso levou a dois ambiciosos planos – a Nova Rota da Seda, rede de infraestrutura com investimentos em mais de 150 países, e o Made in China 2025, para desenvolver áreas estratégicas, incluindo I.A. Tecnologia é o novo elemento dorsal para um império. Trump e Jinping sabem disso. Ou, como diz George Zhao, presidente da Honor, divisão da Huawei, “não importa o que aconteça, não importam os tipos de desafios… Apenas sorria e os supere”.


“Trump quer destruir a Huawei”

Roger Kay, analista da consultoria Endpoint

Sem o Google a Huawei conseguirá criar um novo sistema operacional?
Eles já têm um, que é usado na China. Mas é improvável que funcione em outro lugar.

Você acredita que se chegue a um acordo para continuar usando o Android?
Talvez. Mas minha percepção é de que Trump está determinado a destruir a Huawei.

Quanto tempo levaria para a Huawei adaptar sua cadeia de suprimentos?
Anos.

Quais são os laços da empresa com o governo chinês?
O governo ainda tem uma relação obscura com a empresa, mas suspeito que isso é mais para proteger as pessoas que estão se beneficiando do que por motivação nefasta de espionagem.

A Huawei pode apelar dessas sanções em um tribunal internacional?
A Huawei estaria morta antes que qualquer decisão ocorresse.


“O Brasil está pronto para nós”

Steven Yang Gang, diretor-geral da Huawei Consumer Business Group no Brasil

Quais as estratégias para o retorno?
Sabemos que é uma tarefa complexa, pois é um país enorme, com muitos estilos de vida e necessidades distintas. Estamos confiantes de que nossa combinação de produtos de qualidade, parcerias locais e marketing diferenciado farão uma diferença significativa. Além disso, trouxemos um serviço de atendimento ao cliente no formato 24/7 (24 horas, sete dias por semana).

Como os fatos internacionais refletem no mercado nacional?
Nossos smartphones funcionarão normalmente no Brasil, inclusive com acesso aos serviços do Google, como o Google Play e o Gmail, e aplicativos de terceiros.

Por que a marca voltou ao País?
Acreditamos que o Brasil está pronto para investimentos em outras áreas e deseja novas tecnologias. Estamos empenhados em contribuir para essas operações.


Xiaomi chega ao País com a mala cheia de itens

Por Pedro Borg

Com um séquito invejável de fãs no Brasil e quarta maior vendedora de smartphones do planeta, a Xiaomi ensaiou sua entrada oficial no País no início deste ano, quando o Pocophone F1 (R$ 2.899) e o Redmi Note 6 Pro (R$ 1.799) começaram a ser vendidos via e-commerce. Após o bem-sucedido teste, a empresa chinesa irá entrar de cabeça no mercado brasileiro, expandindo seu portfólio de produtos. Chegarão os já conhecidos smartphones Redmi Go (R$ 699), Redmi 7 (R$ 1.499), Redmi Note 7 (R$ 1.699), Mi 8 Lite (R$ 2.699) e o Mi 9 (R$ 3.999), modelo top da marca. Mas não é só de celular que vive a empresa. Outros 100 itens da companhia, de patinetes elétricos a kits de segurança remota, serão ofertados.

A Xiaomi pretende se tornar “referência” para sistemas de internet das coisas nas casas dos brasileiro, diz o head de operações da marca no Brasil, Luciano Barbosa. Desta maneira, todos os itens da Xiaomi irão se comunicar com os celulares da marca, como câmeras de segurança, smart watches e até mesmo a escova de dente elétrica, que enviará relatórios de qualidade da escovação.

A Xiaomi também anunciou sua primeira loja física, no Shopping Ibirapuera, em São Paulo, assim como e-commerce próprio para o Brasil, no domínio mi.com. Questionado sobre os planos de expansão, Barbosa disse que o crescimento será “reativo”, de acordo com a receptividade do brasileiro.