O executivo colombiano David Vélez gosta de contar uma história. Quando veio trabalhar no Brasil, no início da década passada, ele enfrentou muitas dificuldades para abrir uma conta bancária, algo que afligia cerca de 100% dos clientes em potencial do sistema financeiro. A diferença foi que, como bom empreendedor, Vélez viu na dificuldade uma oportunidade. Associou-se à engenheira Cristina Junqueira e ao empreendedor americano Edward Wible e a trinca pensou em como resolver o problema. Oito anos, 48 milhões de clientes e uma abertura de capital bilionária depois, o Nubank é o mais ameaçador dos desafiantes ao sistema financeiro. Por isso, Vélez, Junqueira e Wible foram escolhidos Empreendedores do Ano da DINHEIRO em Finanças.

Dois números resumem a relevância que a fintech adquiriu. Em meados de dezembro, o valor de mercados do Nubank era de US$ 43 bilhões, o que o torna a instituição financeira mais valiosa da América Latina. Na mesma data, o valor de mercado do Itaú Unibanco, maior banco privado brasileiro e terceira empresa mais valiosa da B3, era de US$ 35 bilhões. A diferença é que o Itaú é uma potência que, nos 12 meses até setembro de 2021, havia lucrado R$ 26,4 bilhões. Já o Nubank ainda está na fase de apresentar números negativos na última linha do demonstrativo de resultados.

Como explicar essa disparidade? O Nubank é o melhor exemplo das empresas que buscam o “novo” consumidor. Seu primeiro produto foi um cartão de crédito que não cobrava tarifas. O cartão não era vendido, a princípio. Para obtê-lo, o cliente tinha de ser “convidado”. Não era difícil obter um convite, mas a estratégia fez com que o plástico roxo se tornasse um produto aspiracional, para usar o jargão do marketing. Era um cartão que não cobrava tarifas, e não era o único. Mas, ao enfeixar essa vantagem com uma narrativa diferente da dos grandes bancos, os fundadores conseguiram se diferenciar no monótono sistema financeiro nacional.

Isso não foi um acidente. “Não temos a palavra ‘bank’ em nosso nome por acaso”, disse Vélez há tempos, quando o produto se limitava ao cartão de crédito. Desde o princípio, a ideia foi atuar de maneira “leve”, sem rede física e investindo muito em tecnologia. Apenas às vésperas da abertura de capital os especialistas do setor refinaram o conceito de “neobanco”. Uma empresa que realiza atividades bancárias, como processar pagamentos e emprestar dinheiro, mas sem nada da estrutura tradicional. Zero agências, zero talões de cheque, zero portas giratórias ­— como a que foi colocada na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2018, para chamar a atenção para o lançamento do seu cartão de débito. Não por acaso, esses empreendimentos também são chamados de “bancos desafiantes”, pois são revolucionários digitais. Eles têm o potencial de transformar o setor bancário de maneira semelhante às mudanças que o Airbnb provocou na indústria hoteleira, ou na forma como a Uber mudou a mobilidade urbana.

A visibilidade e o crescimento acelerado do Nubank atraíram a atenção de investidores como o magnata americano Warren Buffett, que colocou meio bilhão de dólares no capital da instituição. Porém, o que mais facilitou ao banco lançar suas ações em Wall Street foi a abordagem próxima do universo tecnológico. Vélez veio ao Brasil como um executivo da gestora de recursos americana Sequoia Capital, a mais relevante quando o assunto são investimentos em tecnologia — nos início do anos 1980 ele colocou muitos dólares em uma companhia pouco conhecida denominada Apple.

A proximidade com os formadores de opinião do Vale do Silício permitiu ao Nubank ser avaliado não com as métricas de um banco tradicional. Ele perderia na comparação, pois não é lucrativo. Porém, o melhor parâmetro são iniciativas disruptivas em seus setores. Por exemplo, o Airbnb, que vale US$ 100 bilhões sem ter um só quarto. Exatamente o dobro da capitalização de mercado da Marriott, maior rede hoteleira do mundo, com mais de 1,4 milhão de quartos. Ao conectar quase 50 milhões de clientes na América Latina e mirar mercados de massa como o da Índia, o Nubank é a fintech com maior potencial disruptivo no sistema financeiro mundial. E, no que depender da trinca, essa história está apenas começando.

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