Nos escritórios dos lobistas da rua K, no centro de Washington, no comércio elegante do bairro de Georgetown e, claro, nos gabinetes políticos de Capitol Hill, à sombra do prédio do Congresso, a piada era sempre a mesma entre americanos que tentavam aliviar a mais tumultuada semana pós-eleitoral da história dos EUA. ?Façamos assim?, dizia na piada o candidato democrata Al Gore para seu rival republicano George Bush. ?Eu governo às segundas, quartas e sextas. Você fica com as terças, quintas e sábados.? Bem humorado, o lobista da área de equipamentos médicos Robert Farber gargalhava e se divertia no restaurante Monocle, reduto de políticos na requintada avenida Pennsylvania. ?Eu gosto dessa porque, ao menos aos domingos, teremos uma folga de um e outro.?
Essa fórmula impossível de resolver o impasse eleitoral tem tudo para sobreviver por mais tempo. Marcada para o sábado, 18, a certificação do vitorioso nas urnas da Flórida deverá ser contestada na Suprema Corte do Estado. Todos esperam que, no primeiro momento, Bush seja declarado vitorioso pela secretária de Estado Katherine Harris. No universo de 6 milhões de votos da Flórida, ele bateu Gore por 300 votos na recontagem mecânica dos cartões eleitorais, conforme foi anunciado na terça-feira, 14, exatamente uma semana depois de fechadas as urnas. Bush também era favorito a receber a maioria dos votos ausentes, que poderiam chegar ao Estado até sexta-feira, 17. Dificilmente, porém, o governador do Texas terá a sensação de encestar os 25 votos do Estado no Colégio Eleitoral e, com eles, ganhar a disputa. É que o resultado aceito pelos demo- cratas será apenas o da recontagem manual de votos, que, autorizada pela Suprema Corte da Flórida, só deverá sair no meio da semana. Gore aposta que, por este método, vence, mas os primeiros resultados indicaram que Bush pode segurar a ponta.

 

 

SEGREDOS DA CASA BRANCA
Inaugurada em 1800, mansão tem lança-míssil no teto e guarda a chave da bomba atômica

O cargo de presidente dos Estados Unidos obriga seu ocupante a morar no local de trabalho. Mas quem se importa, quando o endereço é a Casa Branca, o salário é de US$ 250 mil anuais e recepções e festas se sucedem quase todas as noites? Até agora, ninguém recusou. Mandada construir pelo primeiro presidente, George Washington, e inaugurada pelo segundo, John Adams, a mansão nunca esteve vaga. Ali, logo no primeiro dia de trabalho, o novo morador é apresentado a uma maleta com os comandos do arsenal nuclear do país mais poderoso do planeta. ?O apelido dela é ?futebol? ?, contou à DINHEIRO, em Washington, o ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, William Perry. Ele guarda nítidas lembranças do governo de Ronald Reagan, de 1980 a 1988. ?Reagan vivia perguntando ?cadê o futebol?, cadê o futebol??, que realmente sempre estava por perto, na mão de um assessor militar.?

Com Bill Clinton, outro que vai completar oito anos como morador, a mansão incrustada num imenso jardim entre as avenidas Constitution e Pensylvania ganhou segurança. Ele mandou cercar a propriedade com vasos de concreto, pensando em impedir qualquer aproximação de eventuais carros-bombas. No telhado da residência há um lança-míssil. O receio, no caso, é de um ataque suicida pelo ar. ?Se um avião for seqüestrado em Washington e voltar-se para lá, há dois minutos para explodi-lo antes do impacto com a Casa Branca?, lembra o americano Perry, que em sua época no Conselho de Segurança mandou fazer as contas do tempo de reação. O presidente tem, ainda, com um corpo de segurança permanente composto por três mil agentes, a postos dentro da casa, em seus jardins e nos prédios vizinhos.

Nenhum presidente fica na Casa Branca por mais de oito anos. Depois de uma reeleição, uma nova candidatura é proibida. Enquanto estiver no poder, ele não tem de se preocupar com temas rotineiros como, por exemplo, o dinheiro. Os gastos com festas e recepções na Casa Branca são cobertos por uma verba especial. Sobre o salário anual de cerca de US$ 250 mil há uma regra rígida. Pode ser guardado no banco ou aplicado, necessariamente, no chamado fundo cego de investimentos. Trata-se de uma carteira administrada por alguém de confiança do presidente, que pode ser montada com ações e outros instrumentos de renda variável. O dono da carteira só fica sabendo onde, exatamente, seu dinheiro foi aplicado ao final do mandato. O fundo cego evita que um presidente proteja empresas nas quais tem aplicação, ou prejudique suas concorrentes.

 

 

TODOS OS HOMENS DOS PRESIDENTES

AP Photo
 

Marco Damiani, de Washington

Dick Cheney, o duro ? Vice é da ala direita republicana

James Baker, o chefe ? Líder da tropa de choque somou pontos

Katherine Harris, a famosa ? Secretária de Estado certificou vitória

Condoleezza Rice, a poderosa ? Ficou com Bush em Austin

Jeb Bush, o irmão ? Apoio pesado do começo ao fim

Joe Lieberman, o judeu ? Vice confia nos votos de Israel

William Dayle, o estrategista ? Decisivo no litígio jurídico

David Boies, o advogado ? Vitorioso contra a Microsoft

Warren Christopher, a voz – Verbalizou posição de Al Gore na Flórida

Jesse Jackson, o ativista ? Coodenador das atividades de rua
Ao ser desenrolado até o último centímetro na Flórida, onde chegou à Corte Suprema do Estado, o tapetão jurídico da eleição americana antecipou alguns dos principais personagens do novo governo dos EUA. Republicano ou democrata. São os ?big guns?, assessores de grosso calibre em cada partido. ?Quem hoje se sobressai em Tallahassee será forte, amanhã, em Washington?, reconheceu à DINHEIRO, no centro da capital americana, o executivo Mark Smith, da Câmara do Comércio.

Os ex-secretários de Estado James Baker, pelos republicanos, e Warren Christopher, democrata, comandam as tropas. Nada fica sem resposta. ?É hora de colocar um ponto final nessa história?, disse Baker na terça-feira, 14, ao defender a recontagem mecânica. ?Isso seria atrasar a apuração da vontade das pessoas desse Estado?, devolveu Christopher minutos depois, na mesma sala de entrevistas, em apoio à contagem manual.

A secretária de Estado da Flórida, Katherine Harris, foi um ás no jogo republicano. Ela assumiu a origem partidária e certificou, na terça, 14, a vitória de George Bush com 300 votos a mais que Al Gore na recontagem mecânica. ?Os resultados da eleição na Flórida serão anunciados no sábado?, assegurou. Para fazer frente, os democratas chamaram às pressas os advogado David Boies. ?A senhora Harris quer baixar a cortina da eleição?, atacou ele, dono de reputação nacional ao mover, pelo governo, o processo antitruste contra a Microsoft, vitorioso até aqui.
O estrategista dos democratas é o advogado William Dayle. Nas ruas, manifestações são coordenadas pelo pastor Jesse Jackson. O governador Jeb Bush, irmão do candidato republicano, movimenta seu partido na direção contrária.

Os republicanos monitoraram suas tropas avançadas a partir de Austin, no Texas, onde George Bush, com seu vice Dick Cheney, a assessora para assuntos internacionais Condoleezza Rice, apontada como futura diretora do Conselho de Segurança Nacional, e a porta-voz Karen Hughes fazem seguidas reuniões. Os democratas olham para Washington, onde Gore ficou com seu vice, Joe Liberman, o senador de origem judia que garantiu ao candidato confiar nos votos dos americanos que vivem em Israel e serão contados na Flórida até esta sexta-feira, 17. Por todas essas, o cacife de quem está no rolo subiu às alturas.