O êxito do investidor em renda variável depende de encontrar o momento de baixa no valor de uma ação para ganhar dinheiro à medida em que o preço vai subindo. Isso não é tão simples quanto parece. Ainda mais, quando a queda é provocada por uma pandemia geradora de uma crise global inédita e que torna o cenário imprevisível para especialistas arriscarem qualquer previsão. A princípio, bastaria apenas aos investidores aproveitarem as baixas recordes para adquirir papeis dos segmentos de turismo, aviação e varejo, que precisaram parar as atividades e estão entre os mais afetados pela crise.

Quem teve estômago e audácia para fazer isso ao fim de março colheu bons resultados. Após vertiginosa queda, esses setores da economia promoveram uma reação em abril e reduziram parte de suas perdas no ano. Mesmo com suas lojas físicas fechadas, a Via Varejo, que controla as redes Ponto Frio e Casas Bahia, experimentou uma valorização de 73,9% em abril, o que faz as perdas do ano estarem agora em 13,2%. Para a CVC, a alta foi de 24,3% no mês passado, apesar da queda em 2020 ainda ser bastante forte, de 71,7%. Outras empresas demonstraram a mesma tendência. São os casos da Gol (alta de 9,1% em abril, para queda de -68% no ano), da Smiles (15,6% e -68%, respectivamente) e da C&A (41% e -51,7%).

O movimento, porém, pode ter sido pontual e nada garante que a recuperação será constante. Especialistas de mercado consultados pela DINHEIRO se mostraram reticentes, principalmente com papéis ligados aos segmentos de viagens. Segundo o economista-chefe do ModalMais, Álvaro Bandeira, a melhora de desempenho das ações dessas companhias em abril se deveu mais a um ajuste de preços do mercado. Depois do pânico em março, quando a B3 precisou lançar mão do circuit breaker diversas vezes para conter as rápidas desvalorizações dos ativos, todos os setores mostraram algum recuperação no mês seguinte. “Melhorou para todo mundo, mas não é um movimento definitivo”, afirma Bandeira. Analista da gestora ACE, Luiz Fernando Missagia reforça que aviação e turismo são empresas de consumo discricionário e, por causa disso, serão as últimas a sair da atual crise. “Houve queda de 90% no tráfego aéreo e a aviação é um setor com estrutura de custo pesada”, diz Missagia. “Fica difícil se manter com tamanha queda na receita.”

“É preciso também avaliar a saúde da empresa. Analisar uma a uma” Betina roxo, analista da XP Ivestimentos (Crédito:Henrique Lambiazi)

Essa análise foi corroborada pelo movimento de algumas ações nos primeiros dias úteis de maio. A informação de que a Gol teve prejuízo líquido de R$ 2,3 bilhões, no primeiro trimestre do ano, contribuiu para que as suas ações se desvalorizassem mais de 10% na segunda-feira 4. Em relatório, a XP Investimentos concluiu que há pontos positivos no último anúncio da companhia aérea: por exemplo, a pretensão de reduzir a taxa de queima de caixa de R$ 22 milhões por dia para R$ 9 milhões por dia, a partir do segundo trimestre. No entanto, o impacto mais forte da pandemia na economia brasileira começou só em meados de março. Ou seja, que resultado esperar dos balanços do segundo trimestre que estão por vir? Além desse questionamento, a analista de Estratégia de Ações da XP Investimentos, Betina Roxo, mostra sua preocupação com aquilo que está sendo chamado de “novo normal”.

Como muitas empresas estão fazendo reuniões por meio de videoconferência, ficou claro que o alto gasto com viagens e hospedagens para a realização de reuniões de negócios é desnecessário em boa parte dos casos. Qual o impacto que essa percepção pode causar no turismo de negócios? “Ninguém sabe como essa normalização vai acontecer”, afirma Betina. “No Brasil, entre 60% e 70% da frequência dos voos são comerciais.” Para o sócio da Perfin Asset Management, Alexandre Sabanai, se há um ponto positivo para as companhias que serão impactadas por isso é que o governo já se prontificou a auxiliar o setor. “O nível de desvalorização até gerou uma perspectiva de quebra das empresas”, destaca. “Isso não deve acontecer e o BNDES possivelmente vai entrar no circuito para socorrer as aéreas. Mas ainda há muitos riscos”, observa.

ALTA RECORDE: Valorização de quase 74% da Via Varejo em abril reduziu as perdas no ano para 13%. Ainda assim, o movimento pode ter sido pontual e nada garante que ele se manterá. (Crédito:Divulgação)

QUARENTENA Quase tão prejudicado quanto a aviação e o turismo, o varejo é visto com mais otimismo pelos especialistas. O impacto da quarentena no faturamento das empresas foi também avassalador, principalmente para quem tem as lojas físicas como único canal de venda e precisou baixar as portas. Roupas e calçados não são itens de primeira necessidade, como alimentos e remédios, mas também não são supérfluos, como uma viagem a passeio. Além disso, o e-commerce pode ser uma das molas propulsoras de negócios para as redes que desenvolveram plataformas de vendas bem estruturadas. O desempenho delas na bolsa mostra bem a importância do comércio eletrônico daqui para frente. A B2W, por exemplo, teve alta de 52,6% em abril e já está no positivo no ano, com alta de 19,1% mesmo com toda a crise. As ações da Magazine Luiza, cujo e-commerce é considerado referência, se valorizaram 25,5%, no último mês, e já sobem 5,3% em 2020.

Para Filipe Villegas, estrategista da Genial Investimentos, o varejo é um segmento que traz mais previsibilidade do que o de aviação e de turismo. Segundo ele, o que fez o varejo cair foi a quarentena. Assim que isso acabar, as vendas devem voltar ao normal em tempo bem mais curto. Sua expectativa, porém, é de que haja menos concorrência no futuro porque redes menores e menos estruturadas deverão quebrar, abrindo mais espaço para o domínio das maiores. “Lojas consolidadas, como Magazine Luiza, B2W e Renner, vão ganhar muito no futuro”, diz Villegas.

RECEITA MENOR: Luiz Fernando Missagia, da gestora ACE, lembra que a queda de 90% no tráfego aéreo pode causar estragos no setor, que tem estrutura de custo pesada. (Crédito:Leo Martins )

Betina Roxo, da XP, avalia que lojas como C&A, Vivara e Renner vão sofrer mais por terem suas bases de vendas em shoppings centers. Mesmo assim, o balanço robusto que elas apresentam as coloca no rol de boas opções para quem deseja investir a longo prazo. “É preciso também avaliar a saúde da empresa. Analisar uma a uma”, diz. Esse princípio básico que todo investidor deve seguir é algo que não muda, mesmo durante grandes pandemias.