Pilotando em pé uma lancha e observando atentamente o horizonte, a jovem Eduarda Fernandes percorre o rio Piquiri, no Pantanal brasileiro, em busca de onças-pintadas feridas pelo fogo.

Desde que os incêndios atingiram o Parque Encontro das Águas, santuário do maior felino das Américas, “Duda” tem-se dedicado a resgatá-los e a curá-los, junto com uma equipe de veterinários e de biólogos que vão aos locais, onde sua presença é indicada.

“O nosso objetivo é amenizar ao máximo o impacto que está sendo causado pelo fogo, seja distribuindo água, comida, ou fazendo patrulha para resgatar animais feridos”, explica esta guia de 20 anos, que há cinco deixou a vida em Cuiabá e se instalou na região de Porto Jofre, a 250 km de distância, principal destino do ecoturismo para a observação de onças-pintadas.

Na reserva, encontram-se cerca de 150 exemplares identificados – acredita-se que sejam mais. Durante a seca, é muito fácil avistá-los nas ravinas, ou nos bancos de areia das margens dos rios.

Com o fogo, que consumiu 85% desse parque de 109 mil hectares, muitos desapareceram, porém, e não se sabe se estão feridos, se migraram para outro local, ou se morreram.

– Como resgatar uma onça? –

Após duas horas percorrendo o rio, a equipe chega ao local, onde repousa uma onça macho sob uma árvore com cipós pendurados. O animal olha para o grupo que se aproxima de barco, equipado com uma gaiola.

Eles o fotografam e confirmam que uma de suas patas dianteiras está ferida, por fogo, ou em uma briga com outro macho.

Capturar uma onça é uma operação titânica, que inclui dardos sedativos e um embarque forçado com pelo menos três barcos.

O sedativo leva cerca de 10 minutos para fazer efeito e durante esse tempo o animal – um nadador habilidoso – pode tentar fugir. Corre o risco de se afogar, pois vai perdendo gradativamente suas funções motoras.

“Tudo pode dar errado”, resume Jorge Salomão, veterinário da ONG Ampara Animal, que se juntou ao esforço liderado por Fernandes para ajudar os animais há algumas semanas.

Enquanto os veterinários debatem em voz baixa, no calor escaldante, cercados por uma vegetação parcialmente queimada, a onça se levanta e caminha até a beira do rio para beber água.

“Está balançando bastante a cauda, está bem atento, não tem postura de dor aguda. Só incomodado quando anda. Nesse momento, a equipe acredita que é mais acertado deixar ele se recuperar sozinho. Tomamos a decisão de abortar o procedimento inicial”, explica Salomão, que voltará dentro de alguns dias para verificar sua evolução.

Na semana passada, esse mesmo grupo resgatou uma onça-pintada com graves ferimentos nas patas e a transportou de helicóptero até Cuiabá para tratamento.

– Brigada animal especializada em desastres –

Outros voluntários percorrem em um 4×4 a Transpantaneira, uma poeirenta estrada de terra de 150 km que liga Porto Jofre a Poconé. Sua missão: depositar água e frutas – bananas, maçãs, mamões – em cerca de 70 pontos geolocalizados para animais que perderam sua fonte de nutrição pelas queimadas e seca.

É o Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD), equipe multidisciplinar especializada no atendimento à fauna em grandes catástrofes.

Com a experiência dos deslizamentos de terra em Nova Friburgo (2011) e o rompimento das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), eles foram chamados a intervir no Pantanal, maior planície aluvial do planeta, situada principalmente no Mato Grosso do Sul e no Mato Grosso, mas que também se estende pela Bolívia e pelo Paraguai.

“O incêndio é um grande problema, mas agora, no pós-incêndio, a grande questão vai ser a fome e a sede que os animais vão sofrer. A gente está encontrando animais definhando nas beiradas da estrada com fome e com sede”, relata Enderson Barreto, de 22 anos, estudante de veterinária que integra a brigada, financiada com recursos próprios e com doações.

Todos usam luvas grossas e protetores rígidos na altura dos joelhos para evitar serem picados por cobras venenosas, comuns na região.

A veterinária Luciana Guimarães segura nas mãos um pequeno bugio que foi atropelado ao cruzar a pista.

“Provavelmente o número de animais atropelados na pista vai aumentar agora, por causa da falta de alimento”, lamenta a paulistana de 41 anos, especialista em fauna silvestre.

“A força da natureza é demais, ela tem esse poder de recuperação, até num cenário assim de carvão. Ela se recupera, mas infelizmente o tempo é lento”, adverte.