No início deste ano, quem ouvisse o empresário Abílio Diniz, presidente do Conselho de Administração da BRF, falar sobre os negócios da companhia gerada pela fusão da Sadia e da Perdigão, duas gigantes nacionais do ramo de alimentos, não titubearia, caso tivesse algum capital disponível para investimento: procuraria uma corretora e aplicaria o dinheiro em ações da dona do chester e do peru mais vendido no país.

Uma sentença, pinçada de uma entrevista concedida em fevereiro, resumia a aparente satisfação de Diniz com o trabalho de sua equipe, que assumiu o comando da empresa no começo de 2013. “Transformamos a BRF numa “winner”, numa companhia vencedora”, afirmou, ao mesmo tempo em que destacava o papel do CEO Global Pedro Faria, líder do time de craques reunidos ao seu redor.

Passados exatos setes meses, o cenário otimista se desvaneceu. Ainda no começo do ano, a publicação do balanço do exercício de 2016, registrou, para um faturamento de R$ 33,7 bilhões, um surpreendente prejuízo de R$ 374,4 milhões, o primeiro da história da BRF, desde a incorporação da então tecnicamente quebrada Sadia pela Perdigão, em 2009.

O resultado adverso poderia ter sido um acidente de percurso, para quem chegou a lucrar vistosos R$ 3,1 bilhões em 2015, primeiro ano de Faria como principal executivo da empresa. Mas não foi: neste ano, a sangria continuou acelerada: foram R$ 167,3 milhões no vermelho, no primeiro trimestre, e outros R$ 286 milhões, no segundo, totalizando perdas de R$ 453 milhões em apenas seis meses.

Nada mais natural, portanto, o anúncio, no último dia de agosto, de que Faria, uma espécie de garoto prodígio egresso do mercado financeiro, que fez carreira à frente da gestora de investimentos Tarpon, uma das acionistas da BRF, definido por Diniz como “um ponto fora da curva”, estava sendo defenestrado de sua posição. Não apenas pelos prejuízos dos últimos 18 meses, mas pelo conjunto da obra.

Sob seu comando, a BRF se transformou numa máquina de queimar valor de mercado. De acordo com a consultoria Economatica, dos R$ 54 bilhões, em 2014, à época do antecessor de Faria, o executivo e consultor Claudio Galeazzi, a companhia caiu para R$ 34,8 bilhões, na primeira semana de setembro. Essa redução de nada menos de R$ 19,2 bilhões representa uma volta a patamares inferiores a 2012, último ano da antiga gestão da empresa, capitaneada pelo executivo Nildemar Secches, que foi sucedido por Diniz na presidência do Conselho de Administração.

No mesmo período, o patrimônio líquido da BRF despencou de R$ 15,9 bilhões para R$ 11,4 bilhões. No sentido inverso, sua divida total líquida triplicou, para R$ 15 bilhões. Implacável, o mercado sancionou negativamente esse desempenho:o preço das ações, que deveriam bater na casa dos R$ 100 em cinco anos, fechou a R$ 44,39 no pregão da Bovespa do dia quatro de setembro, pouco acima do registrado no primeiro quadrimestre de 2013, logo após o afastamento de Seches.

Na verdade, a queda de Faria, o verdadeiro mentor da derrubada de Secches – foi ele que atraiu o ex-dono do Grupo Pão de Açúcar para o projeto de mudança na BRF – se dá em meio ao que o próprio Diniz batizou de “tempestade perfeita”. Por um lado, há uma somatória de fatores, que tem como origem a autossuficiência que beirava a soberba e não contribuiu em nada para administrar uma empresa de um setor delicado como a agroindústria, com o qual a dupla não tinha a menor intimidade.

Para complicar, ao contrário de Diniz, que controlou durante décadas um gigante do varejo, como o Grupo Pão de Açúcar, Faria vinha de uma boutique de investimentos com pouco mais de uma centena de funcionários. Na BRF, coube-lhe a gestão de um exército de mais de 100 mil empregados, espalhados pelo Brasil e pelo exterior.

Afora ignorar completamente como funcionava a cadeia do negócio, que além da complexidade própria da produção industrial, implicava no relacionamento com milhares de parceiros criadores de porcos e aves espalhados pelo país, os novos gestores da BRF se deram ao luxo de dispensar dezenas de executivos experientes, oriundos da Perdigão e da Sadia.  Para substituí-los, nem sempre os nomes escolhidos corresponderam às expectativas.

Logo no primeiro ano, mais de mil funcionários foram cortados, 10 dos 12 vice-presidentes demitidos, o que levou à saída do então CEO da BRF José Antonio Fay. Essa razzia fez as delícias da JBS, que também em 2013 adquirira a Seara, principal concorrente da BRF, que recrutou mais de uma centena de ex-BRF. Resultado: de 11% de participação de mercado, em 2013, a Seara, então presidida por Gilberto Tomazoni, que até a crise de 2009 dirigiu a Sadia, contabilizou 15%, no ano passado, à custa da BRF.

A “tempestade perfeita” começou a ganhar contornos definitivos, no ano passado, turbinada por um duplo movimento: por um lado, o preço dos grãos, como o milho, principal insumo utilizado na alimentação de frangos, subiu aceleradamente, enquanto o das commodities caia no mercado internacional. Detalhe: no caso do milho, os contratempos podem ser creditados à política de estoques determinada pelo viés financista da gestão da BRF. No afã por melhorar o fluxo de caixa, a companhia baixou seus níveis. Com a elevação dos preços, teve de pagar mais caro pelo insumo, o que causou um prejuízo estimado em R$ 600 milhões.

Some-se a isso, outros fatores negativos, como a retração do mercado interno para seus produtos e a volatilidade do câmbio, que afetou as operações no exterior. Para completar o cenário de turbulências, veio a Operação Carne Fraca, desencadeada pela Polícia Federal, que envolveu seriamente tanto a BRF quanto a JBS. “Com muito trabalho, começamos a nos recuperar e a apresentar resultados melhores neste ano até sermos surpreendidos pelo episódio da Carne Fraca, que abalou todo o setor e trouxe desafios, inclusive no mercado internacional”, afirma o Diniz na carta em que comunicou o afastamento de Faria, que deixará o posto de CEO em dezembro.

Embora o futuro não se mostre tão risonho quanto o desenhado no começo do ano, Diniz acena com momentos mais promissores daqui para frente, com a esperada superação da tal “tempestade perfeita”. “Podemos dizer que também estamos superando esse episódio, do qual saímos ainda mais fortalecidos”, afirmou. “Os reflexos desse novo momento já podem ser sentidos neste segundo semestre, com previsão de resultados mais favoráveis para o futuro, no qual a companhia certamente será o que nós desejamos para ela.”

Segundo o chairman, a BRF atravessa agora uma fase de transição, cujo desafio é encontrar um novo CEO. Diante da debandada dos principais executivos encontrados em 2013 e do desempenho decepcionante dos que os substituíram, não há nomes na bolsa de talentos da companhia capazes de substituir Faria, como já antecipou Diniz.

Diante da escassez interna, há pelo menos duas variantes nesse processo. Uma é preencher a posição com um profissional contratado no mercado, sem passagem anterior pela BRF. A outra, mais arrojada e que exige um certo desprendimento é basear-se na experiência matadora de uma certa empresa americana, chamada Apple.

Em 1985, diante dos maus resultados operacionais, o Conselho de Administração da marca da maçã, não titubeou e dispensou sem o menor constrangimento, Steve Jobs, um de seus fundadores. Onze anos depois, cansada de ser uma companhia de segundo plano no mercado de tecnologia da informação, semifalida, a Apple não teve dúvidas, ao trazer Jobs de volta.

O resto é história. Sob a batuta do fundador, a Apple se reinventou, com o lançamento de produtos vencedores como iMac, iPhone, iPod e iPad que empinaram o seus negócios nos 15 anos seguintes. Em 1996, quando Jobs retornou, a Apple valia apenas U$ 3 bilhões. Em outubro de 2011, quando morreu, aos 56 anos de idade, Jobs simplesmente deixou como legado, uma das empresas mais admiradas e inovadoras do mundo, com valor de mercado de U$ 340 bilhões.

Não que Nildemar Secches seja uma espécie de Steve Jobs dos embutidos, mas poderia ser uma boa solução para os problemas de gestão da BRF. Afinal, o homem tem toda uma história com a companhia, desde os tempos, na segunda metade dos anos 1990, em que assumiu a direção da velha Perdigão, malbaratada pela segunda geração dos Brandalise, de Santa Catarina. Diretor do BNDES, com passagens por empresas de primeira linha como a Iochpe-Maxion e Weg, Secches não só colocou a Perdigão nos trilhos como foi capaz de absorver a arquirrival Sadia, da família Fontana, que praticamente quebrara, vergada por operações malsucedidas com derivativos, em plena crise de 2008.

Considerado um dos executivos mais admirados do País, Secches caiu em nome de uma revolução prometida por Faria e Diniz aos acionistas da empresa (à frente os fundos de pensão Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, e Petros, da Petrobras), mas que quase cinco anos depois, ainda teima em não acontecer.