Mais de 500 anos separam a multinacional italiana da indústria aeroespacial e de defesa Leonardo do primeiro projeto de helicóptero de que se tem registro. O desenho do parafuso helicoidal aéreo de Leonardo da Vinci chega a parecer pueril perto das máquinas que hoje sobrevoam os céus carregando seu legado, mas a inovação mora nos rabiscos do renascentista. E o voo da Leonardo atravessou sua cota de turbulências. A última, provocada pela pandemia da Covid-19. Líder global com 40% do mercado de helicópteros executivos, depois de um primeiro semestre de operações praticamente suspensas em 2020, a recuperação gradual veio a reboque da retomada da demanda no setor VIP.

O retorno às atividades deu o impulso de que a Leonardo precisava, a ponto de a carteira de clientes fiéis da companhia no Brasil ter crescido 57% em menos de seis meses. São 55 nomes que se movimentam acima do território nacional em aeronaves cujos valores de mercado ultrapassam os sete dígitos. “Estamos vendo a volta dos setores bancário, financeiro e agronegócio, que concentram nossos maiores clientes no País”, afirmou Corrado Badalassi, líder da Leonardo Helicópteros na América do Sul.

A aposta da companhia para acompanhar o aumento de demanda no segmento foi investir R$ 60 milhões na construção de um centro de manutenção de helicópteros em Itapevi, a 30 quilômetros da capital paulista. O espaço de 80 mil m2, com 6 mil m2 de área construída, deve alavancar em 50% a capacidade de prestação de serviços no País. Eduardo Affonso, CEO da divisão Leonardo Helicópteros no Brasil, disse que por ano “cerca de 370 aeronaves devem passar pela nova planta, mas já temos uma margem para expansão de 20%”. A visão é que a América Latina, onde circulam 225 aeronaves VIP da Leonardo, virou um hub do mercado de voos executivos. A operação regional, que faturou 105 milhões de euros em 2020, detém 25% da frota VIP da empresa.

LEGADO projeto do parafuso helicoidal aereo de leonardo da vinci deu origem aos helicópteros modernos. (Crédito:Divulgação)

No Brasil, o estado de São Paulo concentra 120 helicópteros, o equivalente a 63% da frota nacional, mas há pouca penetração do setor além dos perímetros da região Sudeste. Affonso vê muito espaço. “Estamos falando de um País de dimensões continentais e pouco explorado”, disse. Fora da capital paulista, o desafio ainda é a falta de estrutura aeroespacial. Para enfrentar isso, a Leonardo oferece capilaridade do suporte ao cliente, que chega em todo o território com a manutenção de serviços fora da base. “Além de representantes e estações de serviços que servem à operação, enviamos equipe técnica a qualquer lugar.”

VALOR DO TEMPO Rubens Cortelazzo, gerente para a operação da empresa no País, defende o helicóptero como a proposta mais valiosa no mundo dos negócios. “É o motor da nossa expansão”, disse. A expressão tempo é dinheiro tem sua maior grandeza no universo VIP em que a Leonardo opera. Com o aumento da circulação em ambientes executivos, o setor se torna ainda mais estratégico para projetar a empresa regionalmente. Badalassi explica que, no Brasil, o cliente se diferencia por exigir sofisticação e agilidade de atendimento acima da média. “A decisão é guiada por indicadores de performance, segurança e pelo design”, afirmou. “Por isso, a entrega de serviços de manutenção é decisiva para a compra.”

SHOW EM DUBAI O novo momento da Leonardo é marcado pelo lançamento do terminal Casa Agusta e pela apresentação do AW609 Tiltrotor. (Crédito:Facco Fabio)

Decisiva a ponto de, no começo do mês, a empresa relançar a marca premium Agusta, uma herança da joint venture AgustaWestland, cuja operação foi fundida em 2017 ao grupo Finmeccanica, controlador da Leonardo. A Agusta é uma grife tradicional do mercado de aeronaves, reconhecida pelo desempenho e pelo estilo sofisticado, atribuído às linhas italianas desde o lançamento do modelo A109, há 50 anos. O anúncio foi coroado com a inauguração da Casa Agusta em Dubai, terminal projetado para conexão com a rede de transfers locais e interurbanos na maior cidade dos Emirados Árabes. O espaço se integra a uma base idealizada para elevar a experiência VIP com a Leonardo.

O novo capítulo marca também a apresentação do AW609 Tiltrotor, primeira aeronave civil a combinar decolagem vertical e capacidade de pairar com motor de alta performance. A máquina une o melhor dos mundos da aviação executiva ao atingir velocidade máxima de cruzeiro de 510 km/h — a mesma de aviões turbo-hélice — e chegar a 8 mil metros, que permite um voo acima das nuvens. Assim, as condições de tempo e terreno deixam de ser limitantes para a viagem. O projeto está em estágio de industrialização na fábrica da Filadélfia, nos EUA, mas as primeiras entregas estão previstas para o próximo ano, ou assim que sair a certificação pela U.S. Federal Aviation Administration. O AW609 Tiltrotor chegará ao mercado por cerca de US$ 25 milhões e já possui uma lista de interessados, incluindo o empresário Michael Bloomberg. Talvez nem mesmo a mente genial de da Vinci conseguiria vislumbrar a magnitude que a sua projeção alcançaria.