Não é de hoje que o ouro mexe com o inconsciente das pessoas. Seja em barra, seja em joias ou laminado, o metal desperta interesse dos apaixonados por produtos de luxo. Esse desejo ficou ainda mais evidente na pandemia. Com a incerteza econômica e volatilidade de outros mercados financeiros por causa da Covid-19, além de tensões entre Estados Unidos e China, o ativo voltou a ser aposta como reserva de valor. O aumento na procura pelo mundo levou o ouro a atingir, em agosto, o recorde histórico de US$ 2.077,85 a onça troy (31 gramas) – 8,2% acima da marca antiga, que era de US$ 1.921, estabelecida em 2011. O comportamento do consumidor também foi atestado no Brasil, onde chegou a ser negociado por R$ 354,50 o grama, dia 9 de agosto, 87% a mais do que os R$ 189,70 de um ano antes. “Esse é um dos motivos que explicam as vendas acima do que prevíamos no início da pandemia”, disse Marcio Kaufman, CEO da rede de joalherias Vivara, em teleconferência para apresentação dos resultados referentes ao segundo trimestre.

O executivo não detalhou os números alcançados, mas afirmou que, quando o metal se valoriza, mais clientes tendem a vê-lo como um produto de duração eterna. “É como algo passado de mãe para filha.” Mesmo assim, ele fez questão de destacar que as pessoas não compram uma joia com o pensamento de venda futura. “O cliente sabe que uma joia de 10 gramas pela qual ele está pagando mais caro hoje do que no passado é porque vale mais.” Apesar da possibilidade de se beneficiar com o avanço do valor do ouro, a Vivara adotou a política de reduzir as margens e repassar o mínimo possível da valorização ao cliente. “Mantivemos um posicionamento de preço adequado ao consumidor”, disse Kaufman.

Com a pandemia, a empresa suspendeu, no final de março, as operações da sua fábrica na Zona Franca de Manaus. A produção foi retomada gradualmente em junho, com foco nos estoques das 262 lojas espalhadas pelo Brasil. Durante o trimestre, a rede de joalherias registrou queda de 54,6% na receita líquida – para R$ 137,6 milhões –, na comparação com igual época de 2019. O prejuízo líquido foi de R$ 1,67 milhão, revertendo lucro de R$ 156,9 milhões computado no mesmo período do ano passado. As lojas físicas venderam R$ 59,5 milhões de abril a junho, queda de 82,3% em um ano.Em compensação, as vendas virtuais avançaram 387% no segundo trimestre, para R$ 108 milhões. O dado representa 63,9% das vendas da companhia no período. “O crescimento do e-commerce nos deu um entendimento muito maior do quão grande pode ser esse canal”, afirmou.

RETOMADA Dos pedidos realizados pela internet nos últimos meses, cerca de 30% foram de clientes que compravam apenas nas lojas físicas e outros 30% de consumidores que não tinham cadastro na rede. A Vivara adotou, ainda, o projeto Joias em Ação (venda direta ao cliente, por meio de telefone e WhatsApp) e drive thru (comercialização feita de forma remota, com retirada no estacionamento dos shoppings) para ampliar os negócios.

OBJETO DE DESEJO As jóias estiveram entre os produtos mais vendidos pela Vivara durante o segundo trimestre. (Crédito:Divulgação)

O CEO da Vivara se mostrou surpreso com a aceleração das vendas nas lojas físicas. Em abril, com apenas nove lojas abertas, a empresa registrou queda de 75,2% na receita operacional. Esse número perdeu força com o decorrer da quarentena. Em maio, início da reabertura das unidades em alguns estados (26 no total), o índice caiu para 60,3%. E junho, a redução foi de 36% (com 186); de 10,3% em julho (214 unidades); e até o dia 24 de agosto (261 lojas), de 0,6%. “Em julho, atingimos 90% da venda total de 2019. Em agosto, já estávamos próximos dos 100%.”

Além disso, a empresa implementou medidas para reduzir despesas. No período, os custos operacionais recuaram 34,9%, na comparação com o segundo trimestre de 2019. No início da quarentena, a Vivara se apoiou na Medida Provisória 936, do governo federal, para adotar redução de jornada e de salário aos colaboradores, além de eventual suspensão de contrato. A companhia revelou gastos de R$ 4 milhões com rescisões contratuais – o número de cortes não foi oficialmente divulgado.

Em agosto, a empresa concluiu a implantação de 23 novas operações no ano, superando a meta revista no início da pandemia – de 50 novas unidades para 21. São 16 lojas Vivara, cinco exclusivas Life (especializada em prata), além de dois quiosques, somando 263 pontos de venda no País, praticamente todos localizados em shoppings – a exceção é a loja conceito na rua Oscar Freire, tradicional região de marcas de luxo, em São Paulo.

FORÇA DA MARCA Empresa entregou 16 lojas da Vivara, cinco da Life e dois quiosques, após revisar plano de expansão. (Crédito:Diego Padgurschi)

A paulistana Carmen Takada, especialista no setor joalheiro, valoriza as iniciativas adotadas por redes como a Vivara – casos da venda direta ou por WhatsApp – para chegar aos clientes. Há mais de 40 anos no ramo, ela classifica a joia como um autopresente. “Neste período de quarentena, quem pode investir numa joia o fez”, disse Carmen. “Isso eleva a autoestima. De quem recebe e de quem presenteia, mesmo se a pessoa tiver de usar dentro de casa.”

A consultora, a exemplo do CEO Marcio Kaufman, afirmou que a joia tem um valor residual, mas uma pessoa, segundo ela, não pensa, no ato da compra, que um dia poderá precisar se desfazer do produto. “O comprador pensa no hoje”, afirmou. “Se você adquire uma joia hoje, amanhã não vai vender pelo preço que pagou, mas a longo prazo terá o valor residual, o que acontece com poucos produtos.” Ela vê com surpresa a rápida retomada do mercado. E lembra que, no início da pandemia, a queda no movimento foi brutal, a exemplo do que aconteceu nos mercados de carros e de relógios de luxo. “Não vou dizer que vamos recuperar rapidamente as vendas do período durante o qual o setor ficou estagnado. Isso vai demorar um pouco mais”, disse Carmen. “Mas esse crescimento apresentado pela Vivara é uma grata surpresa.”