Nos últimos tempos, muitas empresas passaram a adotar o mesmo discurso para mostrar como é possível melhorar suas relações com os clientes, aumentar as vendas e, ao mesmo tempo, aperfeiçoar a experiência dos consumidores. Tudo isso começou a ser traduzido em duas palavrinhas mágicas repetidas à exaustão: “Big Data”, um volume de dados armazenados que são usados pelas companhias para serem mais assertivas quando estiverem conversando com os clientes. Mas, no fundo, o Big Data nada mais é do que um conjunto de informações de quem somos. O Facebook, por exemplo, sabe quem são seus amigos e quais são suas preferências políticas, futebolísticas e pessoais. O Google tem conhecimento de tudo o que você pesquisou e também se interessou. O Waze, por sua vez, é quase um vigia: além de saber onde você esteve, o aplicativo forneceu o caminho para chegar lá. E tem mais. O LinkedIn tem todo o seu histórico profissional e conhece a empresa em que você trabalharia de olhos fechados. Já o Tinder e outros aplicativos do tipo enxergam suas preferências sexuais e até a cor do cabelo, a idade e o comportamento da pessoa que te faz abrir os olhos. Todas essas informações, dizem as empresas, são protegidas. Mas, quando elas saem da rede e são usadas de forma errada, o efeito é devastador. O caso da empresa de análise de dados britânica Cambridge Analytica é uma prova disso.

Ela usou ilegalmente as informações de 50 milhões de usuários do Facebook para influenciar a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA e a saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit. Isso veio à tona, na semana passada, quando os jornais The New York Times e o The Guardian publicaram as denúncias de um ex-funcionário da Cambridge Analytica. Os marqueteiros digitais compraram toda a base de dados de Aleksandr Kogan, um pesquisador da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. O estudioso desenvolveu um aplicativo chamado thisisyourdigitallife (essa é a sua vida digital) e pagou pequenas quantias a quase 300 mil pessoas para que elas fizessem um teste de personalidade e concordassem em ceder os seus dados para uso acadêmico. O problema é que o tal aplicativo acabou capturando – sem permissão – as informações dos amigos desses 300 mil usuários. Com isso em mãos, a Cambridge Analytica direcionou, de forma personalizada, mensagens a favor de Trump e várias outras contra a candidata democrata Hillary Clinton. O resultado dessa ação todos já sabem: Trump levou a melhor e a Cambridge Analytica saiu mundo afora se gabando de ter sido crucial na eleição. A questão é que ninguém tinha dimensão dos meios usados para isso. O Facebook, que admite ter falhado na proteção dos dados de seus usuários, perdeu quase US$ 60 bilhões em valor de mercado em apenas dois dias.

Com o problema escancarado, fica evidente que é preciso ter algum tipo de regulamentação para impedir que essas informações disponíveis na rede não sejam usadas para manipular as vidas das pessoas e os destinos de nações. O próprio Mark Zuckerberg, fundador e CEO da rede social, sempre avesso a esse tipo de ideia, disse em entrevista ao canal de notícias CNN que a questão não é mais se o Facebook deve ser regulado, e sim qual regulação faz sentido. E cada passo que acontece na maior rede social do mundo, com 2 bilhões de usuários, deve ser acompanhado com lupa. Seu poder de influenciar é enorme, como foi visto na eleição de Trump, que também contou com uma enxurrada de fake news. Agora, os brasileiros devem ficar atentos. Em outubro, o Brasil elegerá o próximo presidente e uma guerrilha digital é mais do que esperada. Na entrevista que concedeu à CNN, Zuckerberg, inclusive, mencionou as eleições brasileiras e disse que o Facebook estará pronto para combater as interferências indevidas e a guerra das fake news. Pode ser que o criador da rede social consiga controlar essa questão. Porém, fica a lição: sua vida é, cada vez mais, um livro aberto. Pior: um produto comercializado sem que você saiba. Viva o Big Data!

(Nota publicada na Edição 1062 da Revista Dinheiro)