Pode-se dizer que foi nos acréscimos de uma final de Copa do Mundo de futebol. Ou, então, na última volta de um grande prêmio decisivo de Fórmula 1. O fato é que, independentemente da comparação, a Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) teve muito o que comemorar em 2021. Por uma diferença de apenas 302 unidades no ano, a montadora desbancou a rival Mercedes do topo do mercado brasileiro de caminhões, posição ocupada desde 2016. Mais do que isso, a empresa viu crescer em 80% o volume de exportações, uma das saídas adotadas por vários segmentos da indústria nacional para garantir melhor balanço cambial diante da desvalorização do real e, assim, equilibrar as contas. “O ano de 2021 foi realmente de desafios, mas também serviu para coroar conquistas e marcos históricos, como os 40 anos de marca, os 25 anos da fábrica em Resende (RJ), além do lançamento do primeiro caminhão elétrico”, afirmou à DINHEIRO Roberto Cortes, presidente e CEO da VWCO. “E, principalmente, por temos equacionado tantas variáveis que o período nos impôs, como a Covid-19, a falta de peças e esse ambiente político e econômico.”

A empolgação do executivo é justificada. Após uma disputa acirrada durante a temporada, a Volkswagen subiu ao topo já no apagar das luzes, em dezembro, ao comercializar 452 exemplares a mais que a Mercedes (3.469 a 3.017). Se levados em conta os números totais da de 2021, a Volks atingiu 37.460 unidades, crescimento de 46,4% em relação ao ano anterior, com 29,4% De participação de mercado. Já a rival emplacou 37.158, com market share de 29,2%. As vendas totais do veículo no País chegaram a 127.357, alta de 42,8% sobre as 89.173 comercializadas em 2020, puxadas principalmente pelos setores de agronegócio e mineração. Os dados são da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).

A briga em 2022 promete seguir emocionante. A VWCO vendeu 2.345 unidades em janeiro, contra 2.309 da concorrente, com alta de 15% do mercado na comparação com o mesmo período do ano passado. Mas diferentemente do que aconteceu em anos recentes, o executivo evita fazer projeções específicas, apesar dos 42 anos de atividade no setor e 53 anos de labuta. O motivo? “São tantas variáveis”, disse Cortes, ao citar inicialmente os itens que podem gerar o crescimento da indústria: a melhora substancial no combate à pandemia; o crescimento da economia, principalmente a partir do agro; a alta da construção civil e das exportações; o aumento em infraestrutura; novas formas de venda (aluguel e leasing); e a necessidade de renovação de frota. “O lado negativo é o aumento de juros, que afeta a propensão a investir de quem compra caminhão; a questão da falta de semicondutores e peças; um possível repique da Covid-19; e fatores externos. Eu não cravaria nenhum número de crescimento dado a essas incertezas.”

O momento ascendente da Volkswagen no mercado interno refletiu também no cenário internacional. Com a retomada dos negócios em vários países mesmo durante a pandemia, a companhia apostou na diversificação do portfólio e na ampliação dos destinos para alavancar as vendas de caminhões e ônibus que passaram de 4.680 unidades em 2020 para 8.400 no ano passado. O crescimento faz parte de uma estratégia de internacionalização da marca estabelecida em três passos: foco em países onde já atua, mas em que não é tão forte como no Brasil, casos de Argentina, Chile e México; entrada em mercados novos, como regiões ao Norte da África (Marrocos) e Oriente Médio; e aposta no mercado asiático, inicialmente pelas Filipinas.

ENERGIA PURA Modelo 100% elétrico da Volks, o e-Delivery foi desenvolvido e fabricado em solo brasileiro. A ideia da montadora
é lançá-lo em outros mercados (Crédito:Divulgação)

Para chegar ao equilíbrio entre vendas e lucratividade a companhia tem trabalhado com redução de custos e aumento da eficiência. Um discurso adotado nos últimos meses por diversos presidentes de empresas no País, independentemente do segmento de atuação. O aumento de custos do ano passado e de 2020 – seja pela desvalorização que encarece produtos importados, seja pela alta dos preços dos pneus e do aço, por exemplo – ameaçou a rentabilidade e a empresa o repassou aos preços. “Estamos fazendo isso na medida do possível e pretendemos continuar em 2022 como política empresarial”, disse Cortes.

A performance de crescimento passa pelo segmento de ônibus, no qual segue em segundo lugar, ainda distante da líder Mercedes. A VWCO comercializou 3.697 unidades no ano passado, com 20,8% de participação no mercado nacional. Já a rival vendeu 8.878 exemplares, com 49,9%. A expectativa do executivo é que o segmento cresça à medida que a vacinação avance pelo País. Diante dos riscos de contaminação e das medidas de isolamento social, o transporte coletivo apresentou queda de usuários desde o início da pandemia, em 2020. No ano passado, cresceu apenas 1%. A estratégia da Volks para conquistar market share é buscar novos clientes e fidelizar outros, plano adotado no segmento de caminhões. “A ideia é ter um crescimento contínuo em participação. Sem almejar saltos. Pouco a pouco.”

O aumento da participação na exportação de ônibus e caminhões passa por investimentos. A Volkswagen está em meio a um ciclo de R$ 2 bilhões que serão aportados até 2025. Parte desse montante será utilizado na expansão dos negócios envolvendo o e-Delivery, primeiro caminhão elétrico desenvolvido no Brasil a entrar em linha de produção em série. O veículo foi lançado em meados de 2021 e as 200 unidades produzidas foram comercializadas no mercado brasileiro. A ideia agora é testá-lo em outros países. Com portfólio que vai desde o Delivery Express de 3,5 toneladas ao Meteor de 73 toneladas, a montadora tem destinado recursos para manter os produtos atualizados em tecnologia, seja ela regulatória (leis de emissão) ou de segurança e melhoria contínua. Outra parte do investimento vai para a tendência de digitalização, conectividade e serviços. “E o terceiro é um plano de internacionalização que exige não só adaptação de produtos para esses vários mercados, mas também estruturar operações comerciais [nesses mercados], que também exige investimento.”

O executivo Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), aprova a disputa pela liderança do mercado de caminhões, por oferecer alternativas aos operadores. O avanço da tecnologia, com o surgimento de modelos elétricos, além de veículo autônomo para aplicações como a mineração, é destacada. O agronegócio e a infraestrutura também são apontados por ele como importantes impulsionadores do segmento. “Há contratos de infraestrutura que foram assinados lá atrás, cujo impacto vai começar agora. E 2023 vai ser melhor”, afirmou Moraes. “Vejo um ano bom. Desafiador ainda, por causa da taxa de juros e essas coisas todas que afetam.” A entidade estima a venda de 140 mil unidades, mais da metade de superpesados e extrapesados. É nesse jogo que a VW mergulhou.