D epois de implementar o uso de tecnologia NFC (Near Field Communication) para iniciar pagamentos por aproximação no Metrô do Rio de Janeiro e nos ônibus de São Paulo, a Visa pede passagem para atuar com a mesma ferramenta nos sistemas de pedágios do Brasil. A maior empresa de pagamentos digitais do mundo vê como estratégica o avanço nesse nicho. “A entrada nesse segmento é muito mais para consolidar nossa estratégia de cartão contactless (transações sem contato, sem uso de senha ou PIN, apenas por aproximação) porque gera recorrência”, afirma o vice-presidente de Soluções e Inovação da Visa, Percival Jatobá.

A mudança é cultural. O brasileiro começa a se habituar com a tecnologia e sua adoção em novos ambientes se torna inercial. Ao usar em meio de transportes de massa no dia a dia, a pessoa passa a ter segurança e confiança para expandir a prática a outros pagamentos cotidianos, como em padarias, restaurantes e mercados. Estar nas estradas é uma decisão natural. Hoje, os pedágios do País trabalham basicamente em dois sistemas de pagamento: em dinheiro ou automático com as tags – com as empresas Alelo Veloe, Conect Car, Greenpass, Move Mais e Sem Parar. A companhia americana pretende oferecer uma possibilidade intermediária, de pagamento semiautomático por aproximação dos cartões, celulares e outros objetos ancorados na tecnologia NFC. Para isso, já está em tratativas com o governo federal e algumas administrações estaduais e municipais, além de concessionárias e agências reguladoras que comandam as estradas pedagiadas. A expectativa é colocar em prática esse novo tipo de pagamento nas cancelas ainda este ano, começando pela região Sudeste, maior mercado de cobranças por trânsito rodoviário.

CANCELA Passam anualmente pelas seis praças de pedágio do Sistema Anchieta-Imigrantes, operado pela Ecovias, 30 milhões de veículos. (Crédito: Eduardo Knapp)

Segundo dados do Portal Estradas, especializado em informações sobre rodovias, o Brasil possui 420 praças de pedágio, sendo 244 delas (58%) no Sudeste: 178 em São Paulo, 34 em Minas Gerais, 23 no Rio de Janeiro e 9 no Espírito Santo. Para se ter ideia do tamanho do movimento gerado nesse segmento, 30 milhões de carros passam por ano apenas pelas cabines das seis praças de pedágio da Ecovias, administradora de 176,8 quilômetros do Sistema Anchieta-Imigrantes (SAI), que liga as cidades da Região Metropolitana de São Paulo a municípios do Litoral paulista. As tarifas variam de R$ 2,00 a R$ 27,40.

REGRAS DE VALIDAÇÃO No Estado de São Paulo, a Agência de Transportes (Artesp) estabelece as normas para a implantação do novo modelo de pagamento eletrônico de pedágio. O órgão vê a inovação de cobrança sem o uso de dinheiro em espécie e moedas como benéfico para a população e confirma a previsão de implantação do sistema semiautomático em todas as concessões de estradas ainda este ano. A empresa interessada em prestar o serviço de contactless devem apresentar à Artesp requerimento com a intenção de se tornar gestora de crédito. Em seguida, será instaurado processo administrativo para avaliar padrões técnicos e capacidade de atendimento.

Esse é o trajeto a ser percorrido pela Visa, que, apesar do mercado promissor, com garantia de recebimento e altas cifras envolvidas, não está interessada em lucros nesta fase de expansão aos pedágios. “É uma aceleração tecnológica que faz com que o Brasil se mantenha atualizado e tenha menos esforço de soluções na hora de migrar de uma tecnologia para outra”, afirma Jatobá. “A ideia é que o upgrade seja menos custoso para o sistema e para o consumidor”. Trata-se, portanto, inicialmente de um projeto de cidadania que, obviamente, vai alavancar os resultados financeiros da Visa. Mas a projeção desse salto é mantida em sigilo.

O executivo prefere apontar as vantagens para a evolução digital no País. Para gerar “conveniência e nova adoção” comportamental pela sociedade – com mudanças na mentalidade tanto do consumidor quanto dos donos de estabelecimentos –, a Visa tem investido internamente para desenvolver sistemas compatíveis, adaptar softwares e validadores. Construção de soluções tecnológicas para, num futuro próximo, o motorista encostar, pagar e seguir, sem colocar a mão no bolso ou abrir a carteira para pegar dinheiro e depois conferir o troco nas cabines de pedágio.

O movimento feito pela Visa retrata a mudança digital pela qual passa o Brasil, que, com todas as suas diferenças regionais em seu território continental, ainda precisa avançar muito para dissipar a tradicional e arcaica transação comercial em dinheiro vivo. Segundo pesquisa da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), apenas 38% de todos os pagamentos feitos no País, em 2018, foram eletrônicos. Ou seja, há um terreno de 62% a ser explorado pelo digital. “É inimaginável que, em pleno século 21, não possamos pagar produtos e serviços com relógio, pulseira, celular ou cartão”, diz Jatobá.

A Visa já tem expertise no segmento de mobilidade e transporte público. A marca operava com exclusividade os pagamentos por aproximação em 41 estações do Metrô do Rio de Janeiro desde abril do ano passado. A aceitação era para cartão de crédito e por relógios ou pulseiras. Nesta semana, também foi liberado o sistema por cartões de débito e pré-pago das marcas que possuem NFC. E a partir da sexta-feira 21, as catracas também aceitam a bandeira Mastercard. O objetivo das gigantes do mercado de pagamentos é o mesmo: levar rapidez, praticidade e segurança aos usuários.

Presidente e CEO da Mastercard Brasil e Cone Sul, João Pedro Paro Neto diz que a tecnologia de pagamento por aproximação traz agilidade e praticidade. “É cerca de 10 vezes mais rápida do que o pagamento em dinheiro.” As duas empresas também estão presentes no sistema de transporte por ônibus de São Paulo, onde a tecnologia funciona desde setembro de 2019. Hoje, aproximadamente 200 ônibus de 12 linhas da capital paulista dispõem do pagamento alternativo, que permite economia de tempo para o usuário ao gerar maior fluidez no embarque.

GUERRA Se no setor de transportes das grandes cidades há uma batalha contra a circulação de dinheiro vivo pelos operadores de transações financeiras, existe uma guerra a ser combatida em cidades mais distantes dos grandes centros, interioranas, sertanejas e menos desenvolvidas, onde as notas em espécie movem a economia local. Com a onda de ataques de criminosos a caixas eletrônicos e agências, os bancos deixaram muitos municípios e nunca mais voltaram, o que resultou num fenômeno econômico negativo e preocupante. Para sacar dinheiro, os moradores dessas cidades têm de se deslocar para os municípios vizinhos e acabam comprando produtos e pagando por serviços nessas localidades, enfraquecendo o comércio de suas cidades de origem. A renda cai, o desemprego cresce e o ciclo desfavorável se acentua, empobrecendo a região.

“É inimaginável que, em pleno século 21, não possamos pagar produtos e serviços com relógio, pulseira, celular, cartão” Percival jatobá, vice-presidente da visa. (Crédito:Marcelo Soubhia)

A Visa tem participado de discussões com prefeitos desses municípios que pedem socorro por soluções. A saída tem sido acentuar as parcerias com empresas emissoras e adquirentes para avançar em pagamentos eletrônicos, com tradicionais cartões de débito e crédito, montando agências bancárias híbridas, que fazem transações eletrônicas, mas não possuem opção de saques. Aliado a isso, a multinacional oferece promoções para incentivar o uso de cartões e promove educação financeira para comerciantes. Desde 2018, o projeto está presente em 200 cidades. “É a volta ao básico, back to basic”, afirma Jatobá. “O desafio é levar nossas soluções tecnológicas já adotadas nos grandes centros para essas regiões.” Mas, como toda solução tecnológica, a resposta nasce do comportamento que as pessoas terão. A Visa aposta que a adesão será orgânica. É esperar para ver.