Em algum momento em meados de dezembro, num mercado muito comum de alimentos vivos na cidade chinesa de Wuhan, com 11 milhões de habitantes, um vírus que estava hospedado num animal – provavelmente uma cobra viva presa numa gaiola – teve a habilidade de saltar para um ser humano. Em pouco tempo, talvez duas semanas de encubação, esse primeiro infectado teve sintomas de um resfriado, que evoluiu para tosse, febre alta e falta de ar. Não faltava mais nada. Começava ali, como uma gripe comum, um surto dessa nova cepa de coronavírus, o 2019-nCov.

Oficialmente, a epidemia já foi registrada em outros 21 países. Até a manhã de quinta-feira 30, o número de infectados era de 7.785 (106 fora da China), com 170 mortes. No Brasil, até quarta-feira 29 havia nove casos suspeitos em seis estados (Ceará, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo) Entre 2002 e 2003, um coronavírus que havia sido originado de outro animal – o gato de algália – provocou a chamada Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, em inglês), que matou 650 pessoas em Hong Kong e na China continental. No caso atual, a primeira morte confirmada pela China pelo 2019-nCov ocorreu na última segunda-feira 27. E levou pânico os mercados globais: Tóquio (-2,03%), Londres (-2,29%), Paris (-2,68%), Frankfurt (-2,74%), Madri (-1,94%), Milão (-2,31%), Dow Jones (-1,57%) e Nasdaq (-1,89%).

Diante do efeito de baixas fortes no exterior, o índice da bolsa de valores de São Paulo (Ibovespa) desabou 3,29% para 114.482 pontos. “A primeira grande preocupação, óbvia, é com a saúde em todo o mundo. Uma epidemia traz muito nervosismo às pessoas e para o mercado”, diz Rubens Henriques, CEO da Itaú Asset Management. “Mas, passado alguns dias, vimos que o coronavírus é menos letal que a Sars, e a China tomou medidas rápidas e enérgicas.” Henriques diz que daqui para frente haverá um acompanhamento de perto das medidas para contenção da doença. “E, no aspecto econômico, observar qual será o impacto na indústria e no consumo na China, e se haverá alguma conseqüência para a atividade global.”

OSCILAÇÕES Na terça-feira 28 e na quarta-feira 29, as notícias se concentraram na rapidez do governo chinês em isolar uma área com 50 milhões de habitantes, no centro inicial da epidemia. Mas, na manhã de quinta-feira 30, o anúncio da Rússia de fechar toda a sua fronteira leste levou mais temores às populações e aos mercados. Embora menos letal que a Sars, o novo coronavírus deu mostras de que em casos de pacientes com complicações graves há o evidente risco de morte. E a cada nova notícia as oscilações retornam, mantendo o clima tenso em escala global.

QUEDAS Efeito nos mercados foi planetário. Na segunda-feira 27, a queda se generalizou: Frankfurt (-2,74%), Paris (-2,68), Londres (-2,29%), Tóquio (-2,03%), Dow Jones (-1,57%) e Ibovespa (-3,29%). (Crédito:Reuters/Aly Song e AFP)

No Brasil, o dólar abriu em alta alcançando a marca de R$ 4,25 às 10h10 da quinta-feira, e o Ibovespa caiu abaixo do suporte de 114 mil pontos logo no início dos negócios, sinal de que a maior volatilidade deve ser mais intensa por causa do noticiário externo, que não deve arrefecer.

Na avaliação de Sandra Peres, analista da Terra Investimentos, no curtíssimo prazo e no horizonte dos próximos dois meses, os mercados vão acompanhar com atenção todas as notícias sobre a epidemia. “Talvez o contágio não se espalhe. Mas quando lembramos do caso da Sars, dá para prever que a economia chinesa possa se desacelerar mais 1 ou 2 pontos, para um crescimento entre 4,5% e 5% ao ano, o que será muito ruim para os mercados”, diz. Ela alerta que o Ibovespa é muito afetado por ser identificado como uma bolsa de valores de empresas de commodities. “Os papéis mais afetados são das áreas de petróleo, mineração e siderurgia, e de alimentos para exportação. As ações de empresas da aviação comercial também sofrem bastante por causa da possível redução de passageiros para viagens de turismo e de negócios.”

Entre os papéis listados na B3 mais impactados estão BRF, CSN, Gol Linhas Aéreas, Petrobras e Vale. “No geral, nenhuma empresa no Brasil se beneficia com uma epidemia na China, com probabilidade de se espalhar pelo mundo”, afirma. Entre os exemplos globais, a American AirLines cortou voos para China citando declínio de demanda. “O que prejudicou o ânimo dos mercados”, diz a XP Investimentos, em relatório. No Brasil, o papel da Gol figurava como a maior baixa na abertura de mercado da quinta-feira, com forte queda de 4,67%.