Durante a segunda metade da década passada, era fácil identificar os acionistas do Magazine Luíza: eram os investidores que caminhavam sorridentes e assobiando, felizes com os lucros das ações. A empresa fundada em Franca (SP) em 1957 pela família Trajano foi considerada um caso a ser estudado. Nunca uma varejista tradicional havia conseguido convencer tantos investidores de que poderia ser vitoriosa no comércio eletrônico. Entre 1º de fevereiro de 2017 e 5 de novembro de 2020, as ações se valorizaram 5.712,5%. Para comparar, nesse período o Ibovespa subiu 55,4%. Porém, há cerca de um ano, em julho de 2021, o encanto se rompeu. As ações caíram 90% e não se recuperaram até agora. O que ocorreu?

Segundo analistas, os papéis tombaram em meio aos sinais econômicos brasileiros. “A alta da taxa de juros e a disparada da inflação foram as duas grandes pedras no sapato da companhia”, disse o economista-chefe da Valor Investimentos, Piter Carvalho. Isso atingiu a companhia em cheio. A maior parte dos clientes é de baixa renda, que recorre às compras financiadas e vem sentindo a alta dos preços dos alimentos. Para o analista da Top Gain, Sidney Lima, “a alta de juros dificulta o crédito e a inflação corrói a renda dos clientes do Magalu”, afirmou. “Eles pararam de consumir, pois atualmente só conseguem comprar os itens básicos de sobrevivência.”

Além disso, outras companhias, como Via (antiga Via Varejo) aprofundaram seus esforços na área virtual e na venda de bens duráveis, núcleo das atividades da empresa dos Trajano. Isso reduziu o interesse dos investidores e começou a provocar ceticismo por parte do mercado como explicou a analista de varejo da XP Investimentos, Danniela Eiger. “A reabertura da economia atrapalhou as empresas que investiram no e-commerce, pois os clientes voltaram a comprar presencialmente.”

Sendo assim, apesar da baixa de 90% as ações ainda são consideradas caras e pouco atrativas pelos analistas. A geração de caixa seguirá comprometida. Segundo Lima, analista da Top Gain, “olhando pela ótica dos fundamentos, as ações do Magazine Luiza ainda possuem o que chamamos de múltiplos caros, o que torna inviável uma exposição grande”. Analistas como João Abdouni, da INV, não recomendam o papel. “Uma exposição em Magalu tem que ser para lucrar daqui a uns cinco anos, visto que o cenário macroeconômico atual é ruim e pode ficar pior”, disse. O especialista estima que a ação pode chegar a R$ 5 nos próximos cinco anos, alta de 85% na comparação com o fechamento de terça-feira (26).

 

PROPAGANDA AGRESSIVA O vídeo da presidente do Conselho de Administração, Luiza Trajano, recomendando “aquele carnezinho gostoso” foi criticado pelos analistas. (Crédito:Claudio Gatti )

“CARNEZINHO GOSTOSO” Nem mesmo o vídeo gravado pela presidente do Conselho de Administração da rede, Luíza Trajano, propagandeando “aquele carnezinho gostoso” animou o mercado. Para o CEO da Stone Age, Fernando Guimarães, muitos classificaram o tom do vídeo como um ato de desespero para vender, mas é preciso observar que grande parte da receita vem das concessões de crédito, seja via cartão ou carnê. “Tal posicionamento, faz parte da estratégia de negócio da companhia. Além disso, a tecnologia facilitou a concessão de crédito sem aumento de risco no mesmo nível, dependendo das regras e políticas aplicadas pela empresa”.

Para Danniela Eiger, da XP Investimentos, a fala de Trajano foi apenas a confirmação de um cenário econômico nada positivo para a empresa. “Desde o terceiro trimestre a economia brasileira vem piorando de forma mais consistente.” A especialista divulgou uma recomendação neutra para o papel, por não acreditar que a empresa consiga melhorar as suas receitas no atual cenário. Eiger afirmou ainda que calcula um preço-alvo de R$ 4,50, um avanço de 72,4% em relação ao fechamento de terça (26).
Apesar das críticas, alguns analistas percebem méritos no papel. Carvalho, da Valor Investimentos, disse haver uma pequena probabilidade de alta no segundo semestre. “A PEC dos benefícios ainda pode ajudar, com mais dinheiro para a população carente”, afirmou. Ele disse acreditar que esse dinheiro pode melhorar o consumo dos produtos vendidos pela empresa, assim como aconteceu com o auxílio emergencial. “Contudo, o investidor deve ter muita cautela com a ação, pois só há um gatilho em um mar de desafios.”