Pioneira. Ousada. Lendária. Raras são as mulheres que conseguiram transformar o mundo de seu tempo e influenciar sucessivas gerações como fez Barbe-Nicole Ponsardin. Nascida em 1777, em Reims, capital da região de Champagne, filha de um barão francês, ela entrou para história sem ostentar o título de nobreza que carregava do berço. Ficou mundialmente conhecida por duas palavras: Veuve Clicquot. A primeira — viúva, em português — se refere ao estado civil que a acompanhou a partir dos 27 anos. A segunda é o sobrenome da família do marido, precocemente morto, em 1805. Sua trajetória singular de inovação e empreendedorismo deu origem a uma das mais célebres e bem-sucedidas marcas de bebida, hoje pertencente ao conglomerado de luxo LVMH. Mais que isso, seu legado segue inspirando iniciativas empresariais pautadas pela criatividade e busca de excelência que foram suas marcas registradas. Uma história que começou há 250 anos, antes de Madame Ponsardin ter nascido, e que se perpetua no tilintar de taças todos os dias ao redor do mundo.

Foi em 1772 que Philippe Clicquot, cuja família de banqueiros e comerciantes têxteis já possuía vinhedos, decidiu fundar uma casa de champanhe para exportação. Sua primeira remessa foi para Veneza. A empresa ainda era modesta quando seu filho François se casou com a filha do Barão Ponsardin, em 1798, nos conturbados tempos da Revolução Francesa. Durante os anos seguintes, o jovem casal se dedicou com paixão a elaborar champanhes de alta qualidade. Até que a morte repentina do marido obrigou Barbe-Nicole a assumir os negócios, algo incomum para as mulheres de sua época. Superando a perda pessoal e os desafios de uma nova ordem política, econômica e social que se impunha com o nascimento da República, a jovem viúva seguiu com determinação o sonho compartilhado com o marido. Passados 250 anos, a marca que ela consagrou está entre as cinco mais valiosas e lucrativas de Champagne.

PILARES As soluções criadas pela viúva Clicquot para aprimorar a qualidade dos produtos que fazia mudaram a vitivinicultura mundial, enquanto sua postura como mulher de negócios disposta a correr riscos forçou uma revisão de valores sobre as questões de gênero no mundo corporativo. Segundo a diretora-geral da Moët Hennessy no Brasil, Catherine Petit, duas das principais características da personalidade de madame Cliquot eram a inovação e a coragem. “Esses são dois dos pilares de seu legado e que orientam as ações da marca”, afirmou Catherine à DINHEIRO. Ainda de acordo com a executiva que comanda no Brasil o ramo de bebidas do grupo LVMH, o terceiro pilar é justamente o da celebração, aquilo que os franceses costumam chamar de ‘joie de vivre’, ou alegria de viver. “Isso se expressa na cor amarela do rótulo tradicional registrado, que traz uma mensagem de otimismo.” Registrado pela Veuve Clicquot em 1877, o yellow label se tornou um dos diferenciais da maison até hoje, inclusive inspirando releituras por artistas atuais. “Esse otimismo traduz a determinação dela como mulher empreendedora em uma época na qual não havia outras.”

No âmbito da inovação, as técnicas aperfeiçoadas pela madame não foram poucas. Ela inventou a ‘table de remuage’, o cavalete com furos que permite inserir diversas garrafas de champanhe ao mesmo tempo de forma a que possam ser inclinadas e giradas. O objetivo é permitir que as borras contidas no líquido para a segunda fermentação (que gera CO2 e as borbulhas características da bebida) fiquem acumuladas no gargalo. No método tradicional de elaboração de champanhe, esse passo precede o ‘dégorgement’, quando se abre a garrafa para a retirada de todas as impurezas. O líquido fica então límpido e transparente. Foi também Veuve Clicquot quem apresentou ao mundo o primeiro champanhe rosé, ao extrair mais pigmento das cascas da uva Pinot Noir. Mais presente no estilo que caracteriza a maison desde seus primórdios, a Pinot garante a liderança em mercados importantes como Estados Unidos. No Brasil, o grupo Moët Hennessy, que controla as marcas Moët Chandon, Veuve Clicquot, Ruinart e Krüg responde por 80% das vendas totais de champanhe.

Divulgação

“Um dos pilares da marca é o otimismo, que traduz a determinação de veuve clicquot como mulher empreendedora em uma época na qual não havia outras” Catherine Petit, diretora-geral da Moët Hennessy no Brasil.

Além de seus esforços na busca pela excelência da bebida, a viúva percebeu que era preciso chamar a atenção do consumidor pelo rótulo, transmitindo os mesmos valores de inovação e qualidade que estavam dentro da garrafa. Isso se perpetuou na história da marca, que ao longo dos anos criou embalagens icônicas em formato de minigeladeira, lata de sardinha, lápis e outros objetos. Como integrante das comemorações dos 250 anos, parte dessa coleção de ícones foi recriada com uso de materiais sustentáveis. E uma nova rotulagem de La Grande Dame 2012, acompanhada de uma caixa especial, foi encomendada à artista japonesa Yayoi Kusama, famosa pelo uso de flores e de bolinhas em sua obra. Segundo Yayoi, “a flor opulenta simboliza energia vital, amor e celebração da vida”. As bolinhas, claro, emulam as bolhas de champanhe para incorporar.

BARÔMETRO Em 2019, a maison Veuve Clicquot lançou um estudo batizado ‘barômetro’, que mapeou o estado atual do empreendedorismo feminino em todo o mundo. A ideia era delinear preconceitos comuns, barreiras mentais e estruturais a serem superadas para o sucesso nos negócios. O estudo serviu de base para a criação do programa Bold by Veuve Clicquot, cuja meta é ajudar a melhorar a inclusão, o impacto e a visibilidade de mulheres empreendedoras.

No Brasil, a plataforma foi lançada em 2 de junho com o evento Bold Conversations, que teve a participação, entre outras debatedoras, da presidente de pagamentos globais na Ebanx, Paula Bellizia; da cofundadora do Shop2Gether, Ana Isabel Carvalho Pinto; e da fundadora da Feira Preta, Adriana Barbosa. “A ideia é juntar mulheres para contar as suas história como executivas ou empreendedoras de sucesso e inspirar outras mulheres”, afirmou Catherine. A partir dos resultados do barômetro no Brasil foram montados painéis para debater os temas que se destacaram: liderança feminina, enfrentamento de medos e causas do empreendedorismo. Para transformar o discurso em ação, a especialista em desenvolvimento humano e de carreira Ana Raia ministrou o seminário A Prática da Ousadia — O Caminho para a Coragem e Realizações. Nada mais apropriado para celebrar os 250 anos de uma viúva tão revolucionária.