O veto da Comissão Europeia à fusão entre Siemens e Alstom, criticado por Paris e Berlim, desperta novamente o debate sobre a obsolescência das regras de concorrência comunitárias.

Mesmo antes da decisão da Comissão sobre a fusão – que permitiria a uma gigante ferroviária europeia fazer frente à chinesa CRRC -, o ministro de Finanças francês, Bruno Le Maire, tinha descrito como “erro político” que “favorece os interesses econômicos da China”.

Já o ministro alemão da Economia, Peter Altmaier, pediu na véspera uma política que beneficie as fusões europeias em larga escala, para encontrar “igualdade” de condições a nível internacional.

“Não há áreas como a aviação, as ferrovias, ou os bancos, nas quais o mercado mundial deveria ser tomado como referência, ao invés do europeu?”, indagou o ministro, referindo-se à opção de Bruxelas de se limitar ao território europeu para tomar sua decisão.

Já a comissária europeia de Concorrência, Margrethe Vestager, que anunciou oficialmente o veto de Bruxelas a fusão, afirmou não questionar a necessidade de criar grandes empresas europeias, mas respeitando as regras estabelecidas.

Ela também defendeu “o direito à concorrência da UE”. “Para serem competitivos no exterior, a concorrência tem que prevalecer em casa”, insistiu.

– Mais de 6 mil fusões em quase 30 anos –

Para Le Maire, esta ponderação não é válida. “Se não quisermos ver o mundo como é, em alguns anos estaremos indefesos”, alertou.

O ministro francês anunciou ainda que apresentaria, com seu colega alemão, “propostas” para “refundar as regras de concorrência e nos permitir ter uma política industrial muito mais ambiciosa em relação aos nossos concorrentes americanos e chineses”.

Os ministros consideram apresentar o mercado global de referência e não apenas o europeu, assim como dar lugar aos chefes de governo europeus para que “não seja unicamente uma decisão técnica”.

Do lado dos industriais, a mensagem é a mesma contra a ameaça chinesa.

“Neste mundo (…) a relação de força existe”, lembrou Jean-Dominique Senard, ex-presidente da Michelin e presidente da Renault, em um colóquio anual da agência de crédito à exportação COFACE.

“Seria saudável se este atual diálogo no mundo não fosse puramente sino-americano”, explicou ele. “A Europa precisa se dotar de uma força política que é naturalmente uma força econômica”, acrescentou.

O presidente da Siemens, Joe Kaesser, também denunciou a decisão da Comissão. “Proteger os interesses dos clientes em nível local não significa que tenhamos que renunciar a estar em pé de igualdade com países importantes como a China e os Estados Unidos”.

Em um relatório de 25 páginas publicado em janeiro, a poderosa Federação da Indústria Alemã (BDI, na sigla em alemão) pediu uma atitude mais firme em relação a Pequim e que a legislação europeia de concorrência seja adaptada.

Contudo, os países da UE tinham chegado a um acordo em novembro de 2018 sobre um marco europeu de controle de investimentos estrangeiros na UE, destinado a responder às inquietações de alguns membros pelas aquisições, sobretudo chinesas, em setores estratégicos.