A degradação da economia da Venezuela levou o presidente Nicolás Maduro a antecipar as eleições presidenciais de dezembro para abril. A convocação aconteceu em meio a negociações de um acordo pela paz e “eleições justas” entre o governo e a oposição, que alega fraude no último pleito. As conversas, que aconteceram na República Dominicana, foram encerradas quando Maduro anunciou a nova data da votação, em mais uma de suas artimanhas para se consagrar vencedor. “Eles realmente negociavam a antecipação das eleições”, diz Ricardo Mendes, diretor da Prospectiva Consultoria. “Mas não da maneira que está sendo organizada e nem com esse timing tão curto.”

Os principais partidos da oposição (Primeiro Justicia, Voluntad Popular e Accíon Democrática) estão com os registros vencidos no Conselho Nacional Eleitoral e, em pouco mais de dois meses, não terão tempo suficiente para se regularizar. Além disso, a coalizão Mesa da Unidade Democrática foi proibida de concorrer. O Tribunal Superior de Justiça ordenou ao Poder Eleitoral a desintegração da aliança na renovação alegando dupla militância. “O cenário é muito desfavorável para a oposição”, alerta Ana Carolina Pedroso, pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp.

Quem precisa de concorrentes?: o presidente Nicolás Maduro antecipou a eleição num momento em que a oposição está sem registro eleitoral (Crédito:Stringer / Anadolu Agency)

A manobra do governo venezuelano para a reeleição de Maduro gerou reprovação de diversos países. Estados Unidos, União Europeia e o Grupo de Lima anunciaram que não vão reconhecer as eleições. O posicionamento aprofunda o isolamento do país e a crise interna. A oposição corre contra o tempo para consolidar um nome para a disputa. Henrique Capriles e Leopoldo López, que são os mais carismáticos, estão impedidos de disputar as eleições. O empresário Lorenzo Mendoza, presidente do conglomerado empresarial Polar, surge como uma figura capaz de enfrentar Maduro nas urnas. Ele é praticamente um dos únicos empresários sobreviventes do falido parque industrial venezuelano. Mas Mendonza ainda não demonstrou intenção de ingressar na política.

A decisão de antecipar as eleições fez eclodir uma nova onda de protestos entre os venezuelanos. O país está assistindo a sua força de trabalho minguar. A taxa de desemprego pode chegar a 29,7% este ano e subir a 37,8% em 2022. O Fundo Monetário Internacional projeta uma queda de 15% do PIB de US$ 371 bilhões em 2018. Em uma carta aberta enviada ao presidente, um grupo de economistas é pessimista sobre a inflação: eles acreditam que ela pode chegar a 400.000%. A inflação no país não é calculada desde 2015, mas é sentida nas prateleiras quase vazias. O salário mínimo dos venezuelanos corresponde a 456 mil bolívares. Para comprar alguns itens básicos como açúcar, os venezuelanos precisam desembolsar cerca de 155 mil bolívares, um terço do salário. “A economia está em uma situação muito grave e as eleições presidências agravam essa situação”, diz o economista Richard Obuchi da ODH, consultoria venezuelana de políticas públicas.

O efeito das eleições venezuelanas chegou ao Brasil. Na semana passada, quatro deputados de Roraima pediram ajuda ao presidente Michel Temer para a construção de um campo de refugiados na fronteira. O número de imigrantes venezuelanos que entram pelo Brasil ultrapassa 40 mil. O número cresce a cada dia. Das 33 mil solicitações de refúgio ao governo brasileiro, 17 mil eram de venezuelanos, segundo dados do Comitê Nacional para Refugiados. Os pedidos vindos da população da Venezuela aumentaram 228%, em 2017. Como a inflação, esse número tende crescer exponencialmente.