Na terça-feira 21, um terremoto de magnitude 7.3 na escala Richter sacudiu a região Norte da Venezuela. O sismo balançou a capital Caracas e foi percebido também no Brasil, especialmente em Boa Vista e Manaus. No dia seguinte, um novo tremor, de 5.8, chegou a ser sentido até em Brasília. Mas esses não foram os maiores abalos em território venezuelano na semana passada. O Palácio Miraflores, sede do governo do país, se tornou o epicentro de mais um plano econômica do presidente Nicolás Maduro. Um controverso pacote fiscal foi lançado para tentar conter a inflação prevista para 1.000.000% neste ano, segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Apelidado de “Madurazo”, a ofensiva tem como pilar o corte de cinco zeros da moeda local, o bolívar, que passou a se chamar bolívar soberano. O novo câmbio gera, de imediato, uma desvalorização de 96% da moeda e tem como meta reduzir o número de cédulas necessárias para comprar itens básicos, como alimentos. Como ilustra a foto acima, era necessário milhares de cédulas para comprar um único frango. “Maduro está tentando, com o corte de zeros da moeda e seu pacote econômico, adiar o inadiável, o colapso da economia venezuelana”, afirma Paulo Vicente dos Santos Alves, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral. “São ações esquizofrênicas que, sem uma mudança de posição ideológica, não vai dar em nada.”

Nova moeda, caos antigo: na foto à esquerda, venezuelano exibe a moeda recém-lançada no país, o bolívar soberano, que teve cinco zeros cortados e desvalorização de 96%. Enquanto isso, refugiados eram expulsos de Pacaraima, em Roraima

Com o “pacotaço” de Maduro, a maior nota será de 500 bolívares soberanos, equivalente a 50 milhões de bolívares da antiga moeda (cerca de US$ 7). Durante alguns meses, sem prazo definido, as notas antigas de 1 mil, 2 mil, 5 mil, 10 mil e 100 mil bolívares vão coexistir com o bolívar soberano. “As políticas de medidas monetárias serão inócuas sem que haja ajuste mais abrangente”, diz William Nozaki, economista e cientista político da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). A iniciativa não é exatamente nova. Em 2008, sob o governo do então presidente Hugo Chávez, morto em 2013, já havia sido retirado três zeros do antigo Bolívar, que resultou na criação do bolívar forte. “O radicalismo no cenário político da Venezuela, sem a definição de um novo padrão de desenvolvimento, faz com que qualquer tentativa seja paliativa”, afirma Nozaki.

O novo plano econômico de Maduro não se limita ao corte de zeros (confira os principais itens do pacote econômico na tabela ao lado). Entre as medidas mais polêmicas, a reforma vincula o bolívar soberano à criptomoeda Petro, recém-lançada pelo governo do país. Cada Petro teve seu valor fixado em 3,6 mil bolívares soberanos, o equivalente a cerca de US$ 60, com base no preço atual do barril do petróleo. O lastro no petróleo garante, no curto prazo, a criação de um tipo de alicerce para a moeda, mas amplia a dependência da Venezuela à matéria-prima petróleo. “A própria geopolítica do petróleo está passando por mudanças e aumentar o vínculo da economia à cotação do produto no mercado internacional significa gerar mais instabilidade”, afirma Nozaki.

Enquanto a economia venezuelana atravessa a mais aguda crise de sua história, a população que se refugia no Brasil e na Colômbia vive um drama sem precedentes. Em 18 de agosto, a cidade de Pacaraima, em Roraima, se transformou em palco de conflitos entre brasileiros e refugiados venezuelanos, depois que um comerciante local teria sido assaltado e agredido pelos estrangeiros. Em resposta, moradores da cidade atacaram as tendas com pedras e bombas caseiras, além de terem ateado fogo em barracas, roupas e colchões. O Ministério da Segurança Pública chegou a enviar um efetivo extra da Força Nacional e da Polícia Federal para a cidade, mas cerca de 1,2 mil pessoas já haviam fugido de volta à Venezuela ou partido rumo à Colômbia. “É triste ver um País como o Brasil, que tem cerca de 6 milhões de cidadãos vivendo no exterior, se sentir no direito de expulsar refugiados, que não chegam a um contingente de 70 mil pessoas e que estão passando fome em sua terra natal”, afirma João Marques, presidente da Emdoc, consultoria especializada em imigração.