Empresas e comerciantes que apostam nas vendas de fim de ano para solucionarem seus problemas podem não ter a expectativa consolidada. O cenário econômico de inflação, redução de poder de consumo e disparidade cambial não deve ser alterado até o final do ano – pelo contrário, tende a agravar-se.

Para Elaine Borges, professora da Saint Paul Escola de Negócios, a inflação atual não é gerada pelo consumo, mas por custos, o que deve prejudicar o comércio no final do ano. Borges enfatiza ainda a lentidão da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, o que deve retardar a retomada econômica.

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“As perspectivas econômicas para esse ano pioraram bastante devido à demora na vacinação do país. Até o final do ano podemos esperar queda no consumo por conta do aumento drástico da inflação”, explica a professora.

Já o economista e gestor de investimentos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Vinicius Machado enfatiza que o dado mais importante é a desvalorização do salário real.

“Para ter consumo as pessoas precisam ter dinheiro. Existe uma queda no salário real e isso é muito impactante. É de se esperar indicadores menores (no fim do ano). Muito provavelmente será um ano magro, (com consumo) muito menor do que em 2018 e 2019, quando ainda não tinha a pandemia”, explica Machado.

O dólar é comercializado por volta de R$ 5,46, o que encarece o preço de produtos importados e bens que dependam de insumos de outros países, como carros e a própria cerveja com o lúpulo. O novo iPhone 13, por exemplo, recém-homologado pela Agência Nacional de Telefonia (Anatel) e fabricado na China, está sendo vendido no Brasil entre R$ 9.499 e R$ 15.499, o segundo maior preço do produto no mundo, atrás apenas da Turquia.

Inflação

O Banco Central (BC) divulgou quinta-feira (30) que elevou para 8,5% a estimativa de inflação para 2021 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, IPCA). O BC indicou ainda que deve promover mais um aumento na taxa básica de juros no final de outubro, o que levaria a Selic para 7,25% ao ano.

“Sobre a inflação há um grande paradoxo: a única medida efetiva que o governo pode fazer é o Banco Central aumentar os juros, mas o aumento de juros não tem nada a ver com o que está acontecendo (inflação de custos, não de consumo). Poderíamos ter a Selic em 20% que ainda teríamos inflação. Juros em alta só deprimem ainda mais a economia”, explica Machado.

Para o economista, a inflação de custos é influenciada sobretudo pelo aumento de preços das commodities, seguindo uma tendência de alta global.

O BC ainda informa que a probabilidade de a inflação superar o teto da meta de 5,25% passou de 74% em junho de 2021 para 100%, o que significa uma admissão formal do fracasso em cumprir a meta inflacionária anual fixada pela Conselho Monetário Nacional (CMN).

“Como esta é uma inflação de custo, dificilmente o comércio conseguirá absorver esses custos e oferecer muitas promoções. A pressão na inflação deve continuar e, com isso, a perspectiva do dólar se mantém alta”, analisa Borges.

Dólar

Além de todas as incertezas, Machado lembra ainda uma variável presente no contexto econômico de 2022: as eleições presidenciais. Para o gestor de investimentos, a incerteza política pode influenciar o mercado e alterar o câmbio.

“A depreciação do real como acontece agora tem aspectos locais, incertezas políticas, dúvida sobre o Brasil ser um bom pagador. Como estamos em um patamar alto (do preço do dólar), é provável que, se a situação política não se agravar, se estabilize neste patamar, mas não deve haver queda. Para o ano que vem há receio de altas repentinas por questão política”.

Machado argumenta que o cenário econômico brasileiro é fruto do contexto internacional, como a menor compra de commodities pela China, que já cresce menos do que nos últimos anos e agora enfrenta a crise gerada pela Evergrande. O fim do estímulo financeiro pelo governo dos Estados Unidos também é um fator que entra na equação: “É difícil o Brasil ir bem se o mundo estiver mal”.