As privatizações no setor elétrico prometem estar no radar do governo e de investidores em 2021, ano de pouca influência de disputas eleitorais afetando o calendário. Em meio a um cenário de juros baixos, estão no foco, além do avanço do processo de desestatização da Eletrobras, a venda dos braços de distribuição e de geração e transmissão (GT) da estatal gaúcha CEEE, a distribuidora amapaense CEA, além de possíveis avanços na desestatização da mineira Cemig.

Desses, o processo mais avançado é o da CEEE. O edital da distribuidora CEEE-D já está na rua, com entrega das propostas marcada para 29 de janeiro e leilão agendado para 3 de fevereiro, na B3, em São Paulo. A concessionária opera em 72 municípios, incluindo a região metropolitana de Porto Alegre, totalizando 26% do Estado, com mais de 1,7 milhão de clientes, ou 35% da população gaúcha. Sua situação financeira, no entanto, é problemática, o que acaba se refletindo no valor do ativo: o governo definiu em R$ 50 mil o valor mínimo pelo correspondente a 65,87% do capital da CEEE-D.

Sob gestão pública, atualmente a distribuidora corre o risco de perder o contrato de concessão, por descumprimento de indicadores de sustentabilidade econômico-financeira e de qualidade da prestação dos serviços. A CEEE-D acumula prejuízos de mais de R$ 3 bilhões, somente nos últimos três exercícios fiscais completos e o período entre janeiro e junho de 2020. Ao fim do primeiro semestre deste ano, as dívidas superaram os R$ 8,8 bilhões, dos quais quase R$ 5 bilhões com vencimentos no curto prazo.

Ainda assim, a expectativa é de que haja interesse de investidores. Em que se pese os fracos indicadores econômico-financeiros e de qualidade registrados na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a concessionária atua em mercado com elevada renda per capita e apresenta grande potencial para um turn around, já visto em outras distribuidoras do País, a partir de aumento dos investimentos na rede elétrica, combate às perdas comerciais e melhoria da eficiência na gestão dos custos operacionais.

A principal aposta do mercado é que o ativo fique com a CPFL Energia, que já opera no Rio Grande do Sul e pode obter volume maior de sinergias. “A CPFL, por já operar a RGE, pode extrair eficiências em áreas como central de controle, atendimento a clientes e otimização de pessoal de manutenção, que outros players não poderiam garantir na mesma escala”, disse o analista da XP Investimentos, Gabriel Francisco.

Ele lembra que o grupo é forte gerador de caixa e tem como acionista a chinesa State Grid, com forte poder de fogo, demonstrado no recente leilão da Companhia Energética de Brasília (CEB), quando disputou fortemente o ativo, sendo ao final superada pela Neoenergia por uma pequena diferença.

“A CPFL é candidata natural, mas não se pode descartar o interesse de outros grupos privados, tendo em vista a escassez de ativos de distribuição”, acrescentou Fonseca. Equatorial e Energisa já declararam estudar o ativo e possuem bom histórico de recuperação de distribuidoras. A Neoenergia também já indicou interesse na CEEE-D, mas, após arrematar a CEB, o presidente Mario Ruiz-Tagle, afirmou, sobre eventual participação no próximo leilão, que “no momento, a companhia vai se concentrar” na distribuidora recém-conquistada.

O governo gaúcho também pretende vender os ativos de geração e transmissão reunidos na CEEE-GT, mas esse processo está mais atrasado. No início de dezembro, o governador Eduardo Leite (PSDB) indicou que o edital de privatização desta empresa seria publicado até março do ano que vem.

Amapá

Na distribuição, outro ativo com perspectiva de ser privatizado em breve é a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). Operando sem contrato de concessão desde 2015 e acumulando dívidas, a empresa precisa ser privatizada até o fim de junho de 2021. A data está prevista na Medida Provisória 998, que ainda depende de aval do Senado. O texto determina também que, após a licitação, o governo estadual vai ter de concluir a transferência de controle da empresa para o novo concessionário até o fim do próximo ano.

A MP traz ainda um “plano B”, caso o leilão fracasse. Neste caso, a Aneel vai autorizar, preferencialmente por meio de um processo competitivo simplificado, que o serviço de distribuição seja prestado em caráter emergencial.

Na visão de especialistas, a atratividade do leilão depende do governo reduzir os riscos do negócio na elaboração do edital. A empresa possui passivos superiores a R$ 2 bilhões, com destaque para dívidas junto à BR Distribuidora e à Petrobrás. A expectativa agora é de que o governo federal possa dar algum tipo de ajuda.

Dado o grau de complexidade da situação da distribuidora, Fonseca, da XP, considera que o ativo atrairia interesse restrito, sobretudo de empresas especializadas em recuperação de concessões “ultracomplexas”. Neste caso, despontam empresas como Equatorial e Energisa, que adquiriram distribuidoras ex-Eletrobrás no Norte e Nordeste do País. O analista destacou, no entanto, que os ativos que foram da Eletrobrás mais complexos, como Amazonas e Roraima, ficaram na mão da Oliveira Energia, uma novata no setor. “A Equatorial tem a melhor disciplina de capital do setor, não acredito que faria um movimento que poderia destruir valor para o acionista”, disse.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.