Com um vencimento de uma parcela da dívida de mais de 700 milhões de dólares, começa nesta sexta-feira (27) o calendário de pagamentos da Argentina com o FMI, que em 2022 soma US$ 19 bilhões, uma cifra inatingível para este país que busca um novo acordo com o organismo multilateral.

Com um longo histórico de defaults, a Argentina garante que quer honrar seus compromissos, mas prorrogando os prazos de pagamento e sem adotar medidas de ajuste fiscal.

“Quando os ajustes chegaram, nosso povo padeceu. Nossa briga com o FMI é para dizer firmemente que queremos ter o direito de crescer, como acreditamos que devemos crescer”, declarou esta semana o presidente de centro-esquerda Alberto Fernández.

Faltando menos de 24 horas para o vencimento, ainda é incerto o que a Argentina fará. “O pagamento depende de como as negociações avancem”, declarou nesta quinta-feira a porta-voz presidencial, Gabriela Cerruti.

Em 2018, o FMI concedeu à Argentina, durante o governo do liberal Mauricio Macri (2015-19), um crédito de US$ 57 bilhões, em meio a uma crise monetária. O país recebeu US$ 44 bilhões, pois Fernández recusou as parcelas pendentes quando assumiu o cargo, em dezembro de 2019.

Em 2020, após reestruturar cerca de 66 bilhões de dólares da dívida com credores privados internacionais, o governo iniciou negociações com o FMI para substituir o acordo ‘stand-by’ de 2018 por um acordo de facilidades estendidas que prorrogue os prazos de pagamento.

– A Argentina tem capacidade para pagar? –

Quase sem acesso aos mercados internacionais de crédito, a Argentina tem pouco menos de 39 bilhões de dólares em reservas brutas. Mas analistas estimam que as líquidas, aquelas às quais pode recorrer para pagamentos, estão abaixo de 4 bilhões de dólares. Alguns estimam, inclusive, que as reservas estejam zeradas.

“O problema não é o choque da dívida sobre o Produto Interno Bruto, o problema é a estrutura de vencimentos, o fato de que há uma dívida muito grande com o FMI que vence no curto prazo”, explicou à AFP o ministro da Economia, Martín Guzmán.

A dívida argentina com organismos multi e bilaterais representa 17% do PIB, segundo o Ministério da Economia. Mas em 2022 a Argentina deve pagar ao FMI 19 bilhões de dólares, em 2023 outros 20 bilhões de dólares e em 2024, mais 4 bilhões de dólares. Também tem pendente em março deste ano um vencimento de 2 bilhões de dólares com o Clube de Paris.

“Esse dinheiro não existe, a Argentina não tem estes recursos”, disse recentemente uma fonte da chancelaria argentina a jornalistas em Washington.

A dívida bruta total da Argentina equivale a 82,2% de seu PIB, segundo os últimos dados oficiais de 2021.

– O que acontece se a Argentina não pagar?

“Se não se paga a um credor privado, ele tem o recurso a uma série de ações legais, pode ir aos tribunais. Mas o Fundo Monetário não é um banco, é um clube de governos, não faz esse tipo de coisa. Deixando-se de pagar um dia ou dois, não acho que aconteça muita coisa. Certamente, o FMI pode arranjar para que haja uma extensão”, disse à AFP Gabriel Torres, analista principal para a Argentina da agência classificadora de risco Moody’s.

Caso o descumprimento se estenda no tempo porque o país decide não pagar por não concordar com as condições, o FMI poderia expulsar a Argentina como medida mais extrema. “Embora isto seja muito raro e ninguém ache que vá acontecer”, acrescentou Torres.

Se a Argentina não chegar a um acordo com o FMI e deixar de pagar, outros organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento ou o Banco Mundial, cortariam seus créditos.

Mas Torres considera que a consequência mais séria seria para o setor privado argentino, que pode ver os empréstimos internacionais para exportação “freados repentinamente porque todo mundo tem medo de lidar com um país que não paga ao FMI”.

Ele também cita ameaças sobre a inflação, de 50% ao ano, que poderia sofrer um salto brusco caso os argentinos corram para comprar dólares como refúgio e ocorra um choque cambiário. “O governo tem poucas reservas. A inflação pode saltar para 80% porque o ponto de partida já é muito alto”, disse.

– O FMI pode ceder em suas condições?

“Compreendemos que a situação social e econômica é desafiadora e por isso estamos adotando uma abordagem flexível e pragmática, e esperamos progredir ainda mais nos próximos dias”, disse esta semana a vice-diretora-gerente do FMI, Gita Gopinath.

Cerca de 500 pessoas, militantes de partidos de esquerda, protestaram nesta quinta-feira em Buenos Aires contra os pagamentos ao FMI, com uma marcha que chegou à sede da Presidência.

Torres avalia que interessa ao FMI chegar a um acordo, “porque no fim das contas, existe para isso”. No entanto, adverte que há limites no que o organismo pode aceitar, especialmente quanto ao déficit fiscal, a emissão monetária e a inflação.

“Nossa expectativa é que o governo vai acabar chegando a um acordo, mesmo que resista. Também diria que este acordo vai ser de cumprimento difícil”, concluiu.