Uma das mais antigas áreas do conhecimento humano, cunhada na longínqua Grécia por Aristóteles, a meteorologia salvou muitas vezes populações inteiras. Seja pela precisão em antecipar tsunâmis ou pela capacidade de mapear o superaquecimento do globo, usar as ferramentas meteorológicas a seu favor tornou-se essencial no mundo moderno. E se hoje as variações climáticas contam satélites de alta precisão para sinalizar os problemas, a economia tem os grandes bancos, corretoras e institutos de pesquisas para avisar quando algo ruim está para acontecer. E é o que se passa agora. Os rumores de que o Brasil pode entrar em recessão ano que vem ganhou tom de alerta nas últimas análises econômicas. Nessa hora (tal qual na tempestade), o papel do governo é se proteger e proteger a nação – seja da chuva ou da recessão. Ou deveria ser. O economista Paulo Dutra, professor de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é dos que já acenderam o alerta máximo. “As chances de retração do PIB, em razão das lambanças fiscais, são de 100%”, afirmou. Informado sobre o problema que se avizinha, o presidente Jair Bolsonaro prefere ignorar os sinais e seguir em direção à tempestade portando um guarda-chuva quebrado e uma bomba-relógio.

Em uma tentativa desesperada de garantir a reeleição, Bolsonaro, seu time econômico e a base governista no Congresso abriram a torneira dos gastos, empurrando para o próximo mandato presidencial, seja qual for o chefe do Executivo, uma bomba perigosa, imprevisível e difícil de se desarmar. Os cálculos iniciais do Instituto Fiscal Independente (IFI) estimam que a herança fiscal que Bolsonaro deixará para o ano que vem, só com seus últimos rompantes gastadores, ficará em R$ 7,7 bilhões, totalizando um gasto de R$ 96,7 bilhões com os benefícios de 2022. Caso o programa siga em R$ 600 em 2023, o custo total saltará para R$ 140 bilhões.

Isso explica a revisão para cima do crescimento (artificial) de 2022, e a revisão para baixo da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 feita por especialistas. O dinheiro que vai irrigar a economia no período eleitoral vai faltar para fechar as contas a partir de janeiro. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a economia brasileira deve crescer um pouco acima do previsto neste ano, algo em torno de 1,8%. E de 1,3% em 2023. Na projeção publicada em 31 de março, as estimativas eram de aumento de 1,1% em 2022 e de 1,7% em 2023. “Acreditamos que a economia tenderá a desacelerar ao longo do segundo semestre de 2022, devolvendo parte do crescimento observado na primeira parte do ano”, disse o Ipea, na Carta de Conjuntura.

Ao analisar a economia por ramos de atividade, o Ipea prevê estabilidade no PIB agropecuário (0,0%) e no industrial (0,1%), e expansão de 2,8% nos serviços. Na parte da demanda, a projeção é de aumento de 1,6% no consumo das famílias e de 1,5% nos gastos do governo. Já a Formação Bruta de Capital Fixa (FBCF, medida dos investimentos no PIB) deve cair 2,8%. A economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre/FGV, calcula que só em 2029 o Brasil voltar á ao patamar de 2013, quando o valor real do PIB per capita, por exemplo, atingiu R$ 44 mil.

1,3% previsão de crescimento do pib para o ano que vem fica menor (era de 1,7%) por farra de gastos

140 bilhões de reais será o total de gastos com benefícios se confirmada a manutenção de R$ 600

5,43 reais foi a cotação do dólar no último dia 6, maior patamar desde 27 de janeiro

Para Silvia, também economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), o mau humor dos consumidores é muito elevado e inibe uma reação do consumo e da atividade econômica. “De modo geral, os brasileiros têm analisado a economia de forma negativa, com preços em forte alta, oscilações no câmbio e turbulências institucionais”, disse. No caso do câmbio, há quem veja nisso algo bom. Puxada pelo dólar, que na quarta-feira (6) bateu R$ 5,43, maior patamar desde 27 de janeiro, espera-se um aumento de 2,7% nas exportações, e queda de 2,6% nas importações.

PODE FICAR PIOR As projeções de baixo crescimento ou estagnação, no entanto, já são consideradas otimistas. Bancos, corretoras e economistas já preveem estagnação ou recessão em 2023. O Bradesco calcula que a probabilidade de recessão é crescente se houver manutenção do nível dos preços de mercado até o fim deste ano e do próximo período. O relatório do banco, da primeira semana de julho, previa que “durante o segundo semestre de 2022 essa probabilidade é muito pequena, mas ela começa a se alargar nos primeiros trimestres do ano que vem, indicando perda de momento na virada do primeiro para o segundo trimestre.”

A conclusão é sustentada em um modelo de probabilidade com base em indicadores financeiros, que utiliza as recessões datadas pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), com as seguintes variáveis: taxas de juros brasileiras de um e cinco anos, Ibovespa e preço de commodities de alimentos e metálicas. Com isso, o Bradesco aposta em estagnação do crescimento em 2023, após avanço de 1,8% do PIB em 2022. Mais um satélite avisando que a tempestade está a caminho.