A província de Idlib, no noroeste da Síria, ficou sob o controle total da Hayat Tharir al Sham (HTS), uma aliança jihadista dominada pelo ex-braço sírio da Al Qaeda.

Algumas facções jihadistas, igualmente presentes nesta região, já se aliaram à HTS.

Os grupos rebeldes deverão, por sua vez, aceitar a tutela da administração local implementada pela HTS ou abandonar o setor e se unir a outras zonas insurgentes do norte da Síria.

Como os jihadistas da HTS consolidaram seu “emirado” de fato? Qual será a influência que poderão ter agora sobre a evolução do conflito e sobre os demais atores do mesmo?

– Expansão extremista? –

Em setembro, a Turquia, que apoia os rebeldes, e a Rússia, aliada do presidente sírio, Bashar al Assad, alcançaram um acordo que evitou uma ofensiva do regime sírio contra Idlib e os territórios adjacentes nas províncias vizinhas de Hama e Aleppo.

A iniciativa previa uma “zona desmilitarizada” para separar os setores insurgentes dos territórios governamentais. Mas algumas condições do pacto não foram respeitadas, especialmente da parte jihadista.

Moscou encarregou a Turquia, que apoia em Idlib a coalizão rebelde da Frente Nacional de Libertação (FNL), de neutralizar as facções mais extremistas, segundo especialistas.

Isto não ocorreu e a HTS lançou no começo de janeiro uma ofensiva contra a FNL, tomando o controle de várias localidades rebeldes, após combates que deixaram mais de 130 mortos dos dois lados, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).

Na quinta-feira, os jihadistas impuseram aos rebeldes um acordo que dá à HTS o controle de toda a província de Idlib e seus arredores, através de sua administração local, o “Governo da Salvação”.

“Agora, a HTS pode se apresentar perante a Turquia e outros como um interlocutor indispensável em qualquer solução não militar em Idlib”, destacou Sam Heller, analista no centro de reflexão internacional Crisis Group.

A HTS contaria com 25.000 combatentes bem armados, segundo algumas estimativas.

– Um revés para a Turquia? –

A Turquia, que conta com tropas em Idlib e em outras zonas no norte, não reagiu à ofensiva jihadista.

“Para a Turquia, é uma derrota de seus aliados”, confirmou o geógrafo da Universidade de Lyon e especialista em Síria, Fabrice Balanche.

Com o acordo desta quinta-feira, vários setores, inclusive as cidades rebeldes de Maarat al Noman e de Ariha, no sul da província de Idlib, ficam sob domínio jihadista.

As facções do FNL presentes ali, Ahrar al Sham e Suqur al Sham, permanecerão no local, mas sob a supervisão do “governo da salvação”.

Os rebeldes que rechaçam o poder jihadista poderão emigrar para territórios insurgentes pró-turcos perto da fronteira turca.

É o caso do grupo Nuredin al Zinki, cujos combatentes derrotados pela HTS se refugiaram no enclave de Afrin (província vizinha a Aleppo), conquistada pelos rebeldes pró-turcos no ano passado.

A Turquia apoia as facções sírias que a respaldam em suas operações militares contra as Unidades de Proteção Popular (YPG), principal milícia curda da Síria.

O governo turco ameaça desde dezembro lançar uma ofensiva contra esta milícia implantada no nordeste sírio. O principal obstáculo para o ataque é a presença de tropas americanas no setor.

Mas a retirada destas, iniciada na quinta-feira, após a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, poderia mudar a situação.

– O regime vai atacar? –

O fortalecimento dos jihadistas demonstra que as disposições do acordo russo-turco não foram respeitadas.

Estas violações poderiam servir como pretexto ao regime sírio para reativar uma ofensiva contra Idlib, onde vivem três milhões de pessoas.

Um ataque poderia provocar uma catástrofe humanitária em larga escala. A Turquia, que já abriga em seu território 3,6 milhões de refugiados sírios, quer evitar a todo custo uma violência que provocaria uma nova onda afluência de refugiados em sua fronteira.

Mas com a retirada as tropas americanas e a aproximação entre as forças curdas e Damasco, Idlib não é a prioridade do regime, avaliou Balanche.

“Recuperar o leste da Síria é mais importante. Há petróleo e isto será mais fácil politicamente”, explicou o especialista, em alusão aos territórios e os campos de petróleo, controlados pelos curdos.

Segundo Balanche, Moscou utiliza a Turquia “para pressionar os americanos com a finalidade de deixarem o nordeste da Síria”.

Na quinta-feira, as autoridades turcas reagiram às recentes declarações dos Estados Unidos, consideradas como um retrocesso, e ameaçaram lançar sua ofensiva contra as forças curdas se a retirada se prolongar.