Com a confirmação da primeira morte por varíola dos macacos no País e o registro de três casos de crianças com a doença na cidade de São Paulo, especialistas reforçam a importância de serem redobrados os cuidados com imunossuprimidos, crianças, grávidas e idosos. A transmissão do vírus coloca em risco esses grupos considerados mais vulneráveis. Desta forma, medidas preventivas e de conscientização devem ser reforçadas para reduzir a proliferação da doença.

Nesta sexta-feira, 29, o Ministério da Saúde confirmou a primeira morte por varíola dos macacos no País. Trata-se de um paciente do sexo masculino, de 41 anos, com “imunidade baixa” e “comorbidades, incluindo câncer (linfoma).

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“Aqueles pacientes imunossuprimidos que têm déficit imunológico, ou seja, pessoas com aids, com câncer, que fazem quimioterapia ou que tenham uma imunodeficiência desde o nascimento, estão mais suscetíveis a apresentarem casos graves da doença”, afirma Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).

Em uma semana, o Brasil registrou um crescimento de 65% nas notificações de varíola dos macacos. Na quarta-feira, 27, os registros chegaram a 978 casos confirmados, conforme dados do Ministério da Saúde. Há uma semana, eram 592. São Paulo é o Estado com mais registros (744), seguido do Rio (117) e de Minas Gerais (44).

Na capital paulista, foi confirmado o registro até o momento de três casos da varíola dos macacos em crianças no município. São as primeiras notificações no público infantil. Conforme informou a Secretaria Municipal da Saúde, todas estão em monitoramento, sem sinais de agravamento.

Além dos imunossuprimidos, crianças, idosos e gestantes também são considerados grupos mais vulneráveis para a doença. “As crianças abaixo de cinco anos ainda estão com seu sistema imunológico em formação. Teoricamente, são crianças com maior risco de evolução para doença mais grave, como podemos ver até com a catapora, que é uma doença parecida com a varíola dos macacos. É preciso reforçar que crianças pequenas e idosos têm risco, pelo próprio sistema imunológico para evoluir para forma mais grave da doença”, alerta Lorena de Castro Diniz, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI).

Segundo ela, durante a gravidez, o sistema imunológico fica adormecido para não rejeitar o feto. Com isso, a gestante também fica mais suscetível a adquirir doenças infectocontagiosas e para a varíola dos macacos o risco não é diferente.

No último sábado, 23, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que a doença é uma emergência de saúde pública, de caráter global. A entidade levou em consideração o cenário “extraordinário” da doença, que já chegou a mais de 70 países.

Quem são os imunossuprimidos e quais os riscos de evoluírem para um quadro mais grave?

“Aqueles pacientes imunossuprimidos que têm déficit imunológico, ou seja, pessoas com aids, com câncer, que fazem quimioterapia ou que tem uma imunodeficiência desde o nascimento, estão mais suscetíveis a apresentarem casos graves da doença”, afirma o vice-presidente do Departamento de Infectologia da SPSP.

“Sabe-se até o momento que pacientes imunossuprimidos com doença de base podem evoluir para casos mais graves”, acrescenta Eitan Berezin, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Além disso, pessoas com doenças autoimunes, que fazem uso de imunossupressores, renais crônicos e transplantados possuem imunidade mais baixa. Então, qualquer infecção pode provocar um quadro de maior gravidade.

Nesta sexta-feira, o Brasil registrou o primeiro óbito. Trata-se de um paciente de Uberlândia, em Minas Gerais, que tinha baixa imunidade. A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais informou que o paciente residente de Belo Horizonte evoluiu a óbito na quinta-feira, 28.

Crianças são um grupo de risco para a varíola dos macacos? Elas correm risco de ter a doença mais grave ou de morte?

As crianças abaixo de cinco anos ainda estão com seu sistema imunológico em formação. Não se trata de receber maior carga viral da doença. “Teoricamente, são crianças com maior risco de evolução para doença mais grave, como podemos ver até com a catapora, que é uma doença parecida com a varíola dos macacos. Crianças pequenas e idosos têm risco, pelo próprio sistema imunológico, para evoluir para forma mais grave. É uma doença em que a letalidade varia entre 1 e 10%”, disse Lorena de Castro Diniz, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI).

No entanto, hoje, com saneamento básico, avanço da medicina e diagnóstico mais rápido, não há risco de um mesmo cenário da varíola no passado. “A doença pode evoluir para uma infecção secundária bacteriana com necessidade de uso de antibióticos, algo que no passado era mais difícil o acesso. Acredito que não teremos um cenário tão difícil, mas de fato, devemos tomar todas as medidas preventivas, pois é uma doença que necessita de isolamento por pelo menos trinta dias”, destaca Lorena.

Assim como observado durante a covid-19, um agravamento para as crianças é que elas ficaram por dois anos muito isoladas e distantes de patógenos. “O que estamos vendo na pediatria é que estão acontecendo doenças mais graves, mesmo por vírus normais, porque o sistema imunológico das crianças precisa ser drenado e essas crianças não receberam esse drenamento imunológico porque ficaram muito tempo isoladas”, reforçou a especialista.

Conforme Berezin, os casos estão aumentando em uma população restrita até o momento que é a população de homens que fazem sexo com homens, embora agora tenham sido confirmados diagnósticos positivos em ao menos três crianças na capital paulista.

“Tivemos notificações em crianças, mas também sem muitos detalhes no momento. O CDC americano considera crianças abaixo de 8 anos com risco para a doença. Mas isso ainda é somente conceitual. Não há evidências sobre isso, pois os casos em criança até o momento tem sido bastante raros”, disse Berezin.

O fato de termos varíola já detectada em crianças em São Paulo acende um novo alerta? As escolas vão ter que se planejar ou mesmo suspender aulas?

Para Lorena, não há necessidade de adiamento do retorno às aulas neste momento. “Até mesmo porque os casos ainda são em números pequenos. Além disso, é uma doença de fácil identificação. Dá febre, aumento dos gânglios e feridas na pele. Em 90% dos pacientes acometidos, sejam crianças ou adultos, aparecem lesões cutâneas”, disse a especialista.

Ela defende que no momento é necessário ampliar as informações sobre os sinais e sintomas da doença. “Para que um paciente que tenha pego a varíola dos macacos fique isolado e quebre a cadeia de transmissão, as escolas também podem ajudar orientando as famílias com cartinhas de recomendações. Mostrar fotos e falar sobre as lesões com os alunos. As crianças podem ajudar nessa vigilância para que não haja necessidade de interrupção das aulas, como já vivenciamos na pandemia da covid-19. Seria muito triste acontecer isso novamente”, afirmou Lorena.

Eitan Berezin, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, complementa que os alunos com suspeita da doença sejam imediatamente afastados. “Em relação a escolas, somente afastar casos suspeitos no momento, lembrando que crianças podem adquirir a doença via contato domiciliar”, disse ele.

Quais os riscos de transmissão entre o público infantil a partir dos três casos confirmados em crianças na capital paulista?

Segundo especialistas, é preciso analisar como foi a forma de contágio, se as crianças fazem parte da mesma família ou moram em bairros diferentes que levam a alertas maiores ou menores. “Moram em bairros diferentes ou tiveram encontro em algum local. É preciso acompanhar se elas tiveram ou não algum contato entre si”, avalia a coordenadora do Departamento Científico de Imunização da ASBAI.

Quais medidas preventivas devem ser adotadas entre as crianças, grupo mais difícil de controlar o contato?

Desta forma, medidas de higiene devem ser reforçadas. “Higienização das mãos, não compartilhar objetos, principalmente entre o público infantil, são medidas que as famílias, médicos e as escolas devem reforçar para conter o avanço da doença”, acrescenta Lorena, do Departamento Científico de Imunização da ASBAI.

Como deve ser o monitoramento das crianças que estão com a doença?

A partir do momento em que crianças começam a ser infectadas, também precisam ser avaliadas. “Tanto em relação a transmissão para outras crianças como os indivíduos que transmitiram a varíola dos macacos para essas crianças. Precisa ter um acompanhamento de toda a epidemiologia de todos os contactantes para saber exatamente quem teve e está transmitindo a infecção”, acrescenta Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).

Segundo ele, as crianças que estão com a doença podem ainda apresentar quadros de vômitos e outros sintomas. “O surgimento de lesões lembram a catapora e são precedidas por vômitos, aumento de gânglios e dores abdominais. É preciso observar com atenção todos os pacientes. As escolas, pais e hospitais de pediatria devem ter atenção a possibilidade desse tipo de diagnóstico. Em caso de dúvida, realizar exames laboratoriais. A infecção pode ter comportamento mais grave nas crianças. Precisamos ficar atentos a esse diagnóstico”, alerta Otsuka.

Quais os riscos para as grávidas? Também podemos falar que fazem parte do grupo de vulneráveis? Elas correm risco de morrer, ter problemas na gestação ou transmitir para o feto?

Durante a gravidez, o sistema imunológico fica adormecido para não rejeitar o feto. Com isso, a gestante fica suscetível a adquirir doenças infectocontagiosas e para a varíola dos macacos não é diferente.

“A gestante é suscetível a doenças infectocontagiosas e para a varíola dos macacos a situação é a mesma. Já há casos de óbito fetal em outros países e há chance de transmissão vertical, através da placenta ou da secreção do parto da mãe para o bebê. E um bebê recém-nascido, sem imunidade, o risco para uma evolução não favorável se torna também muito grande”, afirma Lorena.

Por sua vez, Otsuka pondera que entre as gestantes ainda não foi observado quadro grave da doença. “Não foi observada gravidade da doença em gestantes, por enquanto. Sobre o feto, ainda não há dados robustos se podem ser acometidos ou nascer com a doença. Eventualmente, pode ser uma população de risco para quadros mais sérios”, disse ele.

Com o aumento de casos e com a OMS reconhecendo o avanço da doença como uma emergência global de saúde, o Brasil precisa avançar o ritmo para a compra de doses e início da vacinação?

Para a coordenadora do Departamento Científico de Imunização da ASBAI, o cenário atual acende alerta sobre a necessidade de ser trazida uma vacina o mais rápido possível para o Brasil. “É importante por se tratar de uma doença infectocontagiosa, transmissível através de contatos com secreções das feridas ou fluidos corporais como saliva e também em fase de investigação se a secreção vaginal ou sêmen também poderiam estar influenciando nas análises preliminares. É uma doença que não é de tão fácil transmissibilidade, como a covid-19 e o sarampo, mas é uma doença infectocontagiosa e transmissível e que existem já vacinas para tentar controlar o surto. Mas a grande dificuldade no momento é a questão da produção”, disse ela.

Como já há casos espalhados por muitos países, a Organização Pan-Americana de Saúde, junto com a europeia, tenta fazer o que foi feito com a vacinação da covid-19, distribuindo doses de acordo com os países mais afetados.