Com boa parte das grandes capitais retomando o ciclo econômico de reabertura após uma longa temporada de fechamentos causados pela covid-19, a variante Delta se coloca como o principal impeditivo para as comemorações de prefeitos e governadores. Mais transmissível, porém menos letal, a variante já é encarada por especialistas como a causadora de uma possível nova onda do novo coronavírus até o fim do ano, com o retorno do verão e festas de fim de ano.

Cidades como o Rio de Janeiro – onde 53,7% dos casos de covid foram causados pela variante Delta – estão preocupadas com os efeitos no processo de reabertura. O prefeito carioca, Eduardo Paes, disse nesta sexta-feira (20) que nunca houve um momento com tantas pessoas infectadas neste ano quanto agora e que as medidas de restrição seguirão até o fim do mês.

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Centros de pesquisa como os liderados pela Fiocruz, Observatório Covid-19, USP e Unesp já apontam uma explosão de novos casos em grandes capitais ainda no mês de setembro. Isso porque a variante Delta leva, em média, de quatro a seis semanas para se tornar dominante. Algumas ferramentas de análise, como o Info Tracker, controlado pela USP e Unesp, consideram um intervalo de dominância ainda maior, com o vírus levando até 80 dias para ser a força principal.

Neste momento, a cepa de Manaus ainda é a principal em todo o País (exceção do Rio de Janeiro), mas vai perdendo traçado conforme a vacinação avança e os índices de internação em UTIs e óbitos diminui. No Rio de Janeiro a Delta foi identificada pela primeira vez em 26 de maio e atingiu o pico agora, enquanto em São Paulo o primeiro diagnóstico aconteceu em 21 de junho.

Para Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e Consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o Brasil vai passar por uma quarta onda com a Delta como a principal vilã, e a combinação com a volta do calor e baixas restrições sanitárias completam uma equação “desastrosa”.

“Temos que lembrar que no Brasil a gente testa muito pouco. Então, talvez por isso, ainda não tenhamos números que indiquem que a Delta tenha avançado em todo o País”, indicou a infectologista. O agravante, aponta ela, é que este avanço acontece em um momento em que a cobertura vacinal ainda é muito incipiente, onde até esta quinta-feira (19) pouco mais de 56% da população recebeu a primeira dose de algum imunizante e metade deste grupo está completamente imunizado.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) optou por retirar as principais barreiras sanitárias contra a Covid no último dia 17, apesar da orientação contrária feita pelo Centro de Contingência, que preferia manter uma reabertura mais gradual. Enfraquecido, médicos integrantes do Centro fizeram críticas abertas ao governador e encararam a decisão como meramente política.

“Os nossos números isoladamente, de redução de casos, baixa ocupação de UTIs e óbitos, permitiriam, sim, essa flexibilização maior e aglomerações, mas a variante Delta chegou e ela atrapalha a nossa festa”, apontou a Raquel.

Acompanhando de perto, mas sem alarde

Infectologista e consultora em biossegurança da SBI, Sylvia Lemos Hinrichsen, é mais cautelosa quanto ao apontamento de prognósticos mais assertivos sobre uma nova onda. Para ela, esta é uma fase em que o ponto fora da curva é causado pela ameaça das variantes e será necessário avaliar, com mais dados e precisão, a criticidade da mutação no Brasil.

“Ainda vamos ter meses de muitas incertezas, em que as pessoas terão que tomar cuidado, mesmo que elas estejam psicologicamente cansadas. Pode ser que tenhamos situações diferentes daquelas que se mostram em tendência, mas estudos apontam que esse pode ser o ponto fora da curva da tão sonhada imunidade de rebanho que todos os países querem ter”, argumentou.

Ela relembra que, mesmo com a vacina, a população não está completamente protegida, mas tende a sofrer menos impactos com a reação do vírus no corpo. Por isso, a dica é seguir se protegendo e evitando surpresas enquanto a pandemia não terminar, principalmente entre os mais idosos, onde o efeito de imunização das vacinas é menor.

Estados Unidos

Entre os agentes públicos, a preocupação é a mesma tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos, que também passa por um aumento no número de casos com a predominância da Delta. Na cidade de São Paulo, o secretário de Saúde, Edson Aparecido declarou que o impacto da vacinação na população (praticamente todos os adultos já foram vacinados) servirá como termômetro para avaliar se a Delta é um perigo real ou não.

Presidente distrital em Dallas do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, Robert Kaplan disse nesta sexta-feira (20) que a Delta ainda não gerou impactos materiais na economia norte-americana, mas é momento de seguir alerta. “Manterei minha mente aberta sobre isso e observarei se a Delta está tendo um impacto mais negativo a ponto de eu ter que ajustar minhas visões”, declarou em coletiva.