Como numa trama de ficção cintífica na qual o protagonista permanece em hibernação por um longo período e acorda num mundo que não reconhece mais, o varejo brasileiro está despertando de uma longa crise econômica num momento em que tudo parece mudado. Entre 2015 e 2017, o setor fechou mais de 226 mil lojas. O ponto de inflexão só aconteceu no ano passado, quando o número de aberturas voltou a superar o de portas baixadas. A recuperação, no entanto, acontece dentro de uma nova realidade, em que estratégias adotadas por empresas mundo fora ainda são novidade para as brasileiras. “Nos últimos anos, a defasagem do Brasil para o resto do mundo aumentou”, diz Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral do grupo GS& Gouvêa de Souza, consultoria especializada em varejo. “E não foi só pela competição internacional, mas também pelo desequilíbrio do País.”

Para que um pleno avanço do varejo ocorra, os empresários do setor contam não só com a melhora do ambiente econômico (incluindo a aprovação da reforma da Previdência), mas também com a adoção de novos conceitos já testados em outros países. Discussões sobre as grandes transformações do consumo, das empresas e dos meios de pagamentos foram centrais na 7ª edição do Fórum Lide do Varejo, que reuniu os mais importantes representantes do segmento, no sábado 23, no Guarujá, litoral de São Paulo. Uma das conclusões do evento foi a de que, se o Brasil não resolver a defasagem com o mercado internacional, corre o risco de ser engolido pela revolução digital e ver o consumidor se afastar das lojas físicas.

“Não existe país de primeiro mundo sem varejo de primeiro mundo”, diz Flávio Rocha, controlador da Riachuelo e fundador do movimento Brasil 200, que já está virando uma frente parlamentar. “O setor do fast fashion, por exemplo, acabou sendo mais resiliente ao rolo compressor da Amazon por prticar um modelo no qual a operação na cadeia de suprimentos é definida de acordo com a demanda, e não com a produção empurrada da fábrica para as lojas.” Se não fosse assim, observa o empresário, estaria sofrendo como outros nichos do varejo que viram suas lojas sofrendo um processo que chama de “showrooming”. Os consumidores visitam as unidades físicas apenas para conhecer os produtos, mas fazem as compras depois, pela internet. Isso afetou até a maior economia do mundo. Nos EUA, o varejo viu a frequência nas lojas cair pela metade na última década.

Lojas do futuro: Flávio Rocha, da Riachuelo, defende que o varejo busque inspiração em experiências como as da Amazon (no alto) (Crédito:Keiny Andrade)

Há três principais tendências que definem as estratégias dos melhores varejistas para evitar esse cenário, aponta Rodrigo Diago, diretor executivo da consultoria Accenture: uma revolução nas lojas, a personalização das ofertas e o consumo onipresente. A primeira delas trata de um novo modelo de ponto de venda, de acordo com um conceito que atende pelo nome de “phygital”, uma combinação das palavras em inglês para “físico” e “digital”. Além da referência Amazon Go, da Amazon, outro exemplo radical disso é o da chinesa April Gourmet, que vende alimentos. Em suas unidades, não há caixas, funcionários ou a necessidade de fazer pagamento com dinheiro ou cartão. O cliente entra na loja por uma catraca e acessa o aplicativo da empresa no celular. Ele pega os itens que deseja e faz o checkout por conta própria. Toda a informação da jornada de consumo e sobre os produtos escolhidos alimenta uma base de dados que permite criar ofertas para a próxima visita.

No Brasil, uma iniciativa pioneira é da Zaitt. Inspirada pela Amazon Go, ela abriu unidades em Vitória e em São Paulo para vender alimentos e bebidas no estilo de loja de conveniências 24 horas. Ao entrar na unidade, o cliente precisa acessar o aplicativo da empresa e apresentar o QR Code fornecido. Os funcionários só precisam substituir os produtos do estoque. Em março, a Zaitt fechou parceira com o Carrefour para abrir uma nova unidade em São Paulo.

Entra aí outra tendência, a personalização. Segundo pesquisa da Accenture, 72% das varejistas entendem que precisam personalizar o atendimento, enquanto 80% dos clientes dizem que estariam mais propensos a comprar se as os ofertas forem adequadas ao seu perfil. Diversas empresas brasileiras já deram os primeiros passos nesse caminho. Até 2016, a Pernambucanas sofria com uma redução do tráfego. “Então, começamos a fazer uma mudança para o phygital. Em dois anos, tivemos um crescimento de 32% de presença nas lojas”, diz Sergio Borriello, CEO da rede de vestuário. O executivo, no entanto, destaca que existem riscos na estratégia. “É possível aumentar os negócios digitais e as vendas nas lojas caírem se a visita ao espaço físico deixar de ser prazeroso”, afirma. “E, numa empresa de 110 anos e com 346 unidades, precisamos rentabilizar os nossos imóveis.”

PAGUE E PEGUE Em muitas redes, a forma de garantir clientes é a retirada na loja. O consumidor compra pela internet e busca o produto numa unidade. Isso também significa que os pontos de venda se tornam minicentros de distribuição. O grupo Pão de Açúcar (GPA) está avançando nesse e em outros modelos. A loja número um do Pão de Açúcar em São Paulo, nos Jardins, bairro nobre da cidade, já tem a retirada em loja, e agora a prática chegou ao Extra do Itaim. A rede também faz entregas em residências em até quatro horas para compras de até 120 itens. “A tendência é o consumidor comprar bens duráveis pela internet e buscar perecíveis nas lojas”, diz Marcelo Bazzali, diretor executivo do Extra. Nos últimos anos, o GPA também focou em abrir lojas de proximidade, menores e mais numerosas, nos bairros. Elas atraem clientes mais jovens e, para eles, a empresa oferece a possibilidade de agendar num aplicativo a hora em que vai passar no caixa. Até agora, 180 mil clientes já utilizaram a novidade. Num momento de tanta disrupção de modelos de negócios, parece que toda aplicação de tecnologia é bem vinda. O importante é testar e ter coragem de mudar.