Em algum momento, quem faz compras de forma presencial em uma rede varejista ouvirá a pergunta: “tem cartão da loja?”. Para alimentar a operação de concessão de crédito, essas empresas dependem de um vínculo com o consumidor. O cadastro, muitas vezes, dispensa comprovantes de renda ou conta bancária. Quase não existem barreiras para as linhas de créditos especiais, cuja ideia é capturar uma massa de clientes para estimular as compras na rede. Há mais de duas décadas o varejo navega no universo do crédito destinado ao consumo, que representou 28% do PIB brasileiro em 2020. Mas passará por nova prova de fogo em 2022. Em um ano desafiador para a economia, as ameaças são a alta taxa de juros e o maior índice de endividamento em 11 anos, que compromete a renda de 70% das famílias brasileiras em 2021, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.

A democratização do crédito se conecta com a realidade dos 34 milhões de desbancarizados e de classes econômicas mais baixas, que não têm acesso a 80% do crédito concentrado nas mãos dos bancos e também mais vulneráveis à alta da inflação. No Brasil, o crédito tem um papel crítico para estimular o consumo, ao mesmo tempo que, para o varejo, funciona também para fidelização dos clientes à marca. Nos núcleos familiares com renda de até dez salários mínimos, o índice de endividamento chegou a 72% em 2021, um aumento de 4 pontos percentuais sobre o primeiro ano da pandemia. O índice voltou a acelerar no fim de 2021, entrando em 2022 com tendência de alta.

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Alguns reflexos desse cenário já aparecem nos resultados do varejo em novembro, quando, apesar da alta de (apenas) 0,6% das vendas, o comércio sentiu no bolso o enfraquecimento da Black Friday. Categorias mais populares na data, como eletroeletrônicos, vestuário e decoração para casa retraíram ante o mesmo período de 2020. O tímido salto se deveu às compras em supermercados, de categorias alimentícia e farmacêutica.

Milhões de brasileiros dependerão dos sistemas de crédito das varejistas em 2022, o que levanta dúvidas sobre a capacidade dessa tecnologia para sustentar as operações com os índices de inadimplência baixos e juros menores que os dos bancos, mesmo diante de uma economia fragilizada. A Via, donas das redes Casas Bahia e Ponto, tem 95 milhões de crediaristas na base e ao menos R$ 16 bilhões de crédito pré-aprovado. Na Riachuelo, são mais de 32 milhões titulares do cartão de crédito da marca e que respondem por cerca de 40% das vendas. Algo semelhante ocorre nas redes Marisa, Carrefour, Pão de Açúcar, Renner e Americanas, entre outros. Este grupo seguirá atento, sem certeza se incrementar as linhas de crédito é mesmo a luz no fim do túnel ou o trem que avança na sua direção.