A recente baixa performance ligada ao conceito de Value Investing, especialmente quando comparada às estratégias de crescimento, leva naturalmente à pergunta: Será que Value Investing ainda funciona?

Uma reportagem do Financial Times publicada em junho indica que a diferença entre os retornos de fundos focados em “value” versus fundos dedicados a “growth” é a maior dos últimos 25 anos. A última década, em especial, foi bastante difícil para os value investors: o índice S&P 500 Growth indicou retornos anualizados de 14,32% no período, contra 7,30% do índice S&P 500 Value. Ou seja, em média, o investidor em Value Investing ganhou a metade de quem apostou em crescimento, e menos do que a média de retorno do mercado em geral, que foi ao redor de 11%.

Claro que estamos falando de indicadores agregados: teve gente que ganhou bem mais e gente que ganhou bem menos (ou perdeu). Mesmo assim, não se pode fugir do fato de que ser um Value investor foi uma profissão de fé nos últimos dez anos.

Especialmente nos últimos meses, a conjunção da pandemia aliada à certeza de que as taxas de juros permanecerão perto de zero até onde a vista alcança criaram o ambiente perfeito para a valorização das ações de empresas que prometem crescimento. Em ambientes de taxas de juros muito baixas (como foram os últimos dez anos, e como se espera que sejam os próximos dez), os fluxos de caixa gerados pelas companhias no futuro têm quase o mesmo peso do que o fluxo de caixa gerado hoje, privilegiando quem promete crescimento versus quem tem geração de fluxos de caixa mais estáveis no tempo. O problema é que, ao projetar a geração de caixa de uma empresa lá na frente, isso implica em montar uma série de hipóteses sobre como esse caixa será gerado, e muitas delas podem (e vão) estar erradas. Uma coisa é projetar os fluxos de caixa de uma companhia no ano que vem, ou daqui a dois ou três anos: os dados estão mais na mão e o analista consegue visualizar com muito mais clareza as iniciativas que a administração da companhia está tomando, além de seus impactos nesse período de tempo. Agora, projetar fluxos de caixa daqui a cinco, dez ou 15 anos é um exercício excelente de futurologia e, por mais que se possa tentar prever o futuro, a chance de estar errado é enorme. Como diria Nassim Nicholas Taleb, prever o futuro é coisa de fragilista.

De qualquer maneira, não se pode ignorar que o ambiente de juros vai privilegiar crescimento, e que é da natureza humana potencializar esse movimento: o mercado sempre exagera em comprar o que é mais atrativo, bonito e promissor (ou sexy) e em vender o que é mais feio, maçante e estável.

Além do ambiente de juros, o Professor Bruce Greenwald traz uma visão mais abrangente do fenômeno. Segundo ele, do final da Segunda Guerra Mundial até o final da década de 80 as ações de “value” tiveram performance superior às ações de crescimento por conta da globalização. Empresas como GM, Ford e IBM, que no início desse período eram monopólios bem estabelecidos, investiram em crescimento e foram, pouco a pouco, enfrentando cada vez mais competição. Ambientes competitivos, por natureza, não privilegiam crescimento: o retorno sobre o capital investido por qualquer empresa em crescimento em um ambiente competitivo é baixo e, muitas vezes, inferior ao próprio custo de capital. Em resumo, em ambientes competitivos, crescimento não tem valor.

Segundo Greenwald, essa tendência se reverteu a partir do final da década de 1980 e continua valendo até agora. A economia deixou de ser baseada na indústria manufatureira, extremamente competitiva e globalizada, para se basear na indústria de serviços, produzidos e entregues em mercados locais, não globais. Mercados locais são, por natureza, menores, mais fáceis de serem dominados e, portanto, com maior probabilidade de criação de barreiras de entrada, o que provoca o inverso do que acontece em ambientes competitivos. Nesse cenário, o capital investido em crescimento gera mais retorno do que o custo de capital. Quando esse é o caso, crescer tem valor. Pense no Wal-Mart, por exemplo: um gigante com um modelo de negócios baseado em servir mercados locais, e dominá-los. O mesmo raciocínio vale para as big-tech. Vale a pena conferir a palestra que Greenwald e o Professor Tano Santos conduziram no “First Annual Roger Murray Lecture Series” promovido pelo Heilbrunn Center for Graham and Dodd Investing, da Columbia Business School. Você acha o link da apresentação completa aqui.

Considerando, portanto, que as baixas taxas de juros vieram para ficar e que a tendência é de as empresas buscarem, cada vez mais, servir mercados locais com serviços produzidos localmente, onde investir capital em crescimento gera retornos acima do custo de capital, a pergunta que não quer calar continua válida: Value Investing ainda funciona?

A resposta é: sim! Os princípios que baseiam qualquer value investor são valores provados no tempo: procure investir no lugar certo, ou seja, num pedaço do mercado que você conheça bem; saiba o que está comprando, ou seja, faça uma lição de casa minuciosa e detalhada sobre a empresa; e compre no preço certo, ou seja, tenha a disciplina e paciência para esperar um preço que reflita uma margem de segurança razoável para o investimento. A esses, eu adicionaria um quarto princípio: tenha a disciplina de se desfazer do investimento quando o mercado atribui a ele um valor acima dos fundamentos, ou quando o case de investimentos em que você baseou a sua análise mudou fundamentalmente.
Aplicar esses princípios, sem ignorar empresas que estejam crescendo em mercados locais com vantagens competitivas, parece ser o futuro do Value Investing na próxima década. Isso não significa pagar por crescimento a qualquer custo, mas sim avaliar, com os melhores dados possíveis, a taxa de crescimento da empresa e o valor que esse crescimento pode gerar no tempo. E, com muita disciplina, paciência e diligência, alocar capital no lugar certo.