Como se já não estivessem bem estremecidas as relações do governo brasileiro com organismos multilaterais e a comunidade internacional, o presidente Bolsonaro resolveu mais uma vez afrontar e criticar abertamente, em fórum nessa semana, entidades como OMS, OMC e ONU. Ele insiste em mudanças nas instituições sob a alegação de uma maior “governança internacional”. No encontro, fez mais: Deixou no ar que o Brasil pode deixar de participar de algumas dessas organizações, como a OMS. “Desde o início critiquei a politização do vírus e o pretenso monopólio do conhecimento por parte da OMS”, reclamou em audiência com os líderes dos Brics. A resposta não tardou a chegar. Na ONU o Brasil poderá ficar sem voto e sem chances de uma vaga no conselho de Segurança. A perda do direito a voto em todas as instâncias dos organismos multilaterais já é uma realidade mais do que palpável. Há um consenso entre analistas internacionais de que o Brasil, antes de virar o ano, será expulso da maioria deles, senão de todos, por falta de pagamentos das taxas. O comportamento vem ocorrendo há tempo e os alertas foram sendo emitidos, mas o descaso reiterado já levou autoridades a apontarem a desfiliação como única alternativa eficaz. Ficando sem voto, o Brasil correrá mesmo o risco de virar uma Venezuela, como verdadeiro pária internacional. Só na ONU, a dívida é de R$ 113,5 milhões e, caso não pague até dezembro, a sanção com a retirada por um tempo não inferior a um ano deve se confirmar. Será uma vergonha em escala global. Jamais o País esteve fora da entidade, desde a sua criação. Para as três organizações, o Brasil deve um sonoro montante de US$ 386 milhões. No total, o pendura supera o valor de US$ 4 bilhões, incluindo Unesco, OIT e demais bancos globais – conta construída e desenhada pela gestão Bolsonaro. Em tempo: dos atuais 193 países-membros da ONU, somente um ficou proibido de votar até hoje, por praticamente todo o ano de 2020: justamente a Venezuela. Agora é a vez do Brasil. Engana-se, no entanto, quem pensa que o risco de expulsão tira o sono do governante brasileiro. Ao contrário. Ele tem dobrado a aposta na distensão e no conflito. No mesmo encontro dos Brics foi ainda capaz de partir para cima da China, maior parceiro comercial do País, lançando críticas veladas ao Partido Comunista Chinês, reclamando do avanço do “comunismo” na geopolítica internacional no período da pandemia. Disse Bolsonaro: “O Brasil lutará para que prevaleça um sistema pautado pela liberdade, pela transparência e a segurança”. Tomou uma invertida, também velada, do líder chinês, Xi Jinping, que defendeu ações ambientais em países que não cumprem prerrogativas mínimas nesse sentido (sem citar o Brasil diretamente), enaltecendo ainda o Acordo de Paris. Só tem um derrotado nessa queda de braço com um lado bem mais fraco e ele é o Brasil.

Carlos José Marques, diretor editorial