Não seria exagero dizer que a Sabesp, a maior empresa de saneamento na América e a quarta maior do mundo em população atendida, renasceu depois da crise da falta de água no Estado de São Paulo, entre 2014 e 2015. No ano passado, a companhia conquistou o maior lucro de sua história e mostra vigor em seu balanço para reinvestir no próprio negócio. Um dos responsáveis pela guinada da companhia é o economista e professor Rui de Britto Álvares Affonso, que se diz otimista com o futuro. “Ficamos dois anos em uma luta selvagem para manter a empresa de pé e evitar um colapso. E conseguimos superar”, diz ele, em Nova York, após uma maratona de apresentações sobre o futuro da companhia a investidores estrangeiros. Entre um gole de café e uma brecha na agenda apertada, ele respondeu às seguintes perguntas da DINHEIRO:

Como a Sabesp alcançou lucro em 2016?
Foi o melhor resultado nesses 43 anos de vida da companhia. Conquistamos um lucro de R$ 2,947 bilhões, contra de R$ 536,3 milhões apresentados em 2015. Mas o importante é observar o quanto foi investido na empresa. Foram quase R$ 4 bilhões no ano passado. Isso em um contexto em que saíamos de uma crise recente seríssima. Acredito que uma forma de se olhar a gestão da Sabesp é observar o constante investimento da empresa. Historicamente, 70% do que lucramos é reinvestido.

Olhando-se no retrovisor, quais passos foram decisivos para a companhia?
Em 2002, a Sabesp adotou um modelo de empresa de capital misto, aberta ao mercado, com a Oferta Inicial de Ações (IPO, na sigla em inglês) e a inclusão de acionistas privados e ações na bolsa de Nova York. Dois anos mais tarde, em 2004, ampliou-se a participação dos acionistas minoritários ao limite possível, mas ainda assim mantendo-se o controle com o governo paulista. Neste momento houve uma mudança importante da companhia em termos de governança e de transparência. Refiro-me aos reportes financeiros, além de outros aspectos técnicos de governança corporativa. Hoje, temos investidores do mundo inteiro, desde fundos soberanos em Cingapura e Emirados Árabes, passando por uma série de fundos de pensão brasileiros. É uma base de acionistas muito diversificada.Na minha avaliação, nos últimos 13 anos, o que fizemos foi aprimorar todo o processo de eficiência e transparência de uma empresa pública.

Em que contexto econômico e setorial a Sabesp conseguiu sair de uma situação crítica para o lucro?
Isso é importante porque o lucro do ano passado ganha maior relevância se você observar o que ocorreu entre 2014 e 2015, quando tivemos a pior crise hídrica desde a década de 1950 no Brasil. Isso fez com que a nossa receita caísse drasticamente nessa fase, o que representou algo em torno de R$ 4 bilhões a menos em caixa. Simplesmente não tínhamos água para entregar aos nossos clientes. No aspecto macroeconômico, a recessão do País obviamente também nos afetou nessa mesma época. O desemprego, o achatamento salarial e de renda fez com que as famílias passassem a consumir menos. Sem contar que a inadimplência aumenta nesse quadro.

Qual foi a receita adotada para driblar o cenário adverso?
Fizemos basicamente o que uma dona de casa faria, isto é, uma contenção orçamentária severa. Estancamos a despesa de uma forma muito dura de tal maneira que pudéssemos atravessar a crise. Gastamos 4% a menos no ano passado do que gastamos em 2013, pouco antes da crise hídrica. Isso mesmo tendo feito 1,5 milhão de novas ligações de água em todo o Estado.

Onde foram feitos os cortes nas despesas da companhia?
Revisamos todos os contratos da companhia e adiamos todos os gastos possíveis. Em segundo lugar, ajustamos o quadro da empresa. Antecipamos quem já estava para se aposentar, cerca de 1,6 mil funcionários, e estimulamos uma ação semelhante a de um Programa de Demissão Voluntária (PDV). Além disso, adotamos uma iniciativa muito forte de cobrança junto aos nossos devedores. Existiam municípios que simplesmente não pagavam conta de água e esgoto e que passaram a pagar. Na prática, assumimos uma postura forte para recuperar dívidas.

Dá para dizer que hoje São Paulo não tem mais problema de falta de água?
Primeiro é preciso dizer que não deixamos faltar água lá atrás, quando houve o auge da crise hídrica. Saímos da crise. Mas pode acontecer de novo? Os números mostram que sim. Se você pegar o Sistema Cantareira, que abastece boa parte da água da capital, o nível do reservatório, na sua pior fase, chegou a 5% no início de 2015. Hoje está em 73%, sem considerar o volume morto.

Existe diferença entre gerir uma empresa privada ou uma companhia estatal?
Se é importante para uma empresa privada ser bem gerida, imagine uma companhia que produz água e saneamento básico para quase 25 milhões de pessoas. Por uma questão óbvia, ela tem que ter uma melhor gestão em relação às demais. E se investir é o ponto chave em uma empresa com essas características, para ampliar os serviços com qualidade, o ponto é compreender de onde vem o dinheiro para esses investimentos. Em uma estatal, os recursos vêm dos impostos arrecadados. Ocorre que a Sabesp não recebe um centavo do governo, o que nos faz gerir muito bem o dinheiro que vem das tarifas. Até porque a demanda cresce. Os serviços por água tratada e tratamento de esgoto aumentam a cada ano.

Qual é a real demanda por serviços em uma empresa como a Sabesp?
Temos investido em praticamente tudo o que a Sabesp faz. Nas estações de tratamento de água e esgoto, nas reduções de perda de água e, sobretudo, em expansão da rede. Hoje estamos com duas obras estruturantes para aumentar a segurança hídrica na Região Metropolitana de São Paulo. Ambas devem ser entregues em 2017. A primeira é o Sistema Produtor São Lourenço, que fornecerá água para dois milhões de pessoas nas cidades de Barueri, Carapicuíba, Cotia, Itapevi, Jandira, Santana de Parnaíba e Vargem Grande Paulista, região onde mais cresce a população na Grande São Paulo. A segunda obra é a Interligação Jaguari-Atibainha, que vai integrar as bacias do Cantareira e do Paraíba do Sul, permitindo a transferência de água nos dois sentidos. Ao final de 2018, a Sabesp, terá somado 26 metros cúbicos por segundo em oferta de água a todo o sistema.

Vale a pena comprar ações da Sabesp?
Eu diria que muitos fundos de pensão, públicos inclusive, que são acionistas da Sabesp, investem na companhia. E por que esses fundos, muitos conservadores, têm ações da empresa? Porque ela dá um retorno de longo prazo e de forma segura. Para você ter uma ideia, no ano passado, as ações ordinárias da companhia subiram 53,5%, contra 39% do Ibovespa. Os papéis negociados em Nova York, os ADRs, subiram 90,7%, ante 13,4% do Índice Dow Jones.

Ainda há espaço para a valorização das ações da Sabesp?
Sim. Eu, inclusive, estou em Nova York mostrando aos investidores estrangeiros, que estão mais preocupados com o governo Trump do que qualquer outro assunto, de que vale investir em uma companhia como a Sabesp. Isso sem contar os dividendos, que neste ano, provavelmente em junho, serão de R$ 823 milhões aos acionistas.