A cena foi constrangedora. Durante audiência pública, realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília, na quinta-feira 14, sobre o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Victor Bicca, pediu que se fizesse 1 minuto de silêncio. “Em homenagem às vítimas desta tragédia”, disse Bicca. Todos os presentes ficaram em pé. Apenas uma pessoa permaneceu sentada: o presidente da Vale, Fábio Schvartsman. A atitude foi vista como agressiva por deputados e até por gente da própria Vale. “Muitas pessoas que morreram em Brumadinho trabalhavam aqui. Ele (Schvartsman) deveria ter demonstrado um pouco de respeito”, diz um funcionário da mineradora, sob a condição de anonimato. Após a reunião, a deputada Áurea Carolina (PSOL) deu uma declaração à imprensa, chamando a postura do CEO da Vale de “um desrespeito muito grande”.

Para tornar a situação ainda mais revoltante às famílias das vítimas, Schvartsman afirmou, na mesma audiência, que “a Vale é uma joia” e que “não pode ser condenada por um acidente, por maior que tenha sido a tragédia” Integrantes da força-tarefa que investiga o rompimento da barragem discordam, considerando que o número de vítimas fatais deve ficar em torno de 320 – 171 mortos já foram identificados e ainda há 150 desaparecidos. Segundo diversas fontes ouvidas pela DINHEIRO, as investigações caminham para que se chegue a uma acusação de homicídio doloso – quando se assume o risco de matar. E, nesse sentido, a prisão de Schvartsman parece ser uma questão de tempo.

Pelo menos, se depender da força-tarefa que investiga o caso. “Mas prender um figurão desse porte é complicado. Há muito poder e dinheiro em jogo”, disse, à DINHEIRO, um integrante da força-tarefa, que afirma não ter dúvidas de que Schvartsman sabia dos riscos à barragem. “Todas as pessoas dizem que ele é centralizador e que um laudo técnico jamais seria burlado sem sua aprovação”.
De acordo com o promotor Willian Coelho, coordenador da força-tarefa, além dos crimes ambientais e de homicídio doloso, são apurados crimes de falsidade ideológica, já que houve fraude nos laudos. Em entrevista coletiva, o promotor foi enfático: “Funcionários da Vale tiveram informações que demonstravam o estado crítico da barragem. Eles assumiram o risco que resultou na morte de centenas de pessoas”. Integrante da força-tarefa, o delegado Bruno Tasca, da Polícia Civil, afirmou que os depoimentos coletados até agora provam que a tragédia poderia ser evitada. “A barragem já vinha apresentando sinais de ruptura e elas (as pessoas envolvidas) poderiam intervir”.

“COMO SEMPRE” Outro ponto forte contra a Vale é uma troca de e-mails entre funcionários da empresa alemã Tüv Süd, responsável pelo laudo, emitido em setembro do ano passado, que atestou a estabilidade da barragem. Numa das mensagens, um engenheiro da Tüv Süd destaca a pressão da Vale para que a empresa liberasse um laudo positivo, apesar dos problemas encontrados. Outro funcionário da companhia alemã reforça a pressão da mineradora e usa a palavra “blackmail” (“chantagem”, em inglês) para se referir à atitude da Vale. “Como sempre, a Vale irá nos jogar contra a parede”. Para uma fonte da polícia ouvida pela DINHEIRO, a expressão “como sempre” torna tudo ainda mais grave. “Isso prova que a Vale faz, com freqüência, pressão para conseguir laudos adulterados”, destacou.

Crédito: Leo Drumond/Nitro via AP

Com tantas e tão fortes evidências, os problemas para a mineradora só aumentam. Na sexta-feira 15, oito funcionários da companhia foram presos, em operações realizadas em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo o MPE, a ação tem o objetivo de “apurar a responsabilidade criminal pelo rompimento”. Um dos detidos é Alexandre Campanha, gerente-executivo de geotecnia da Vale. Campanha foi apontado pelo engenheiro Makoto Namba, da Tüv Süd, como o encarregado de fazer pressão para que a empresa alemã atestasse a estabilidade da barragem. O presidente da Vale, considerado o grande alvo da força-tarefa, no entanto, segue livre e ganhando seu salário de cerca de R$ 50 milhões por ano. E expondo uma de suas características mais marcantes: foco total no resultado, a despeito de qualquer outra coisa.

Segundo um gerente da Vale, Fábio Schvartsman comemorou a alta de cerca de 9% que as ações da mineradora registraram no dia 30 de janeiro, 5 dias após a catástrofe. “Foi revoltante. Ficamos todos horrorizados”, declarou essa fonte, que pediu para não ser identificada. O fato se repetiu na terça-feira 12, quando as ações da companhia subiram pouco mais de 5%. “A Vale sempre se comportou assim: o lucro acima de tudo”, diz o deputado João Vítor Xavier (PSDB-MG), autor de um Projeto de Lei que visa endurecer as regras da mineração e que tenta aprovar a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Mineração. Dos 77 deputados mineiros, 74 já assinaram a favor da CPI. Mas sua criação tem encontrado obstáculos. Um deles é o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Na terça-feira 12, Zema referiu-se à tragédia de Brumadinho como um “incidente” e defendeu a Vale. Líder do bloco governista na Assembleia Legislativa, o deputado Gustavo Valadares (PSDB-MG) tem trabalhado para barrar a CPI.

Os números podem explicar a postura do governador mineiro. A cada ano, a Vale aplica R$ 20 bilhões em suas operações no Estado e gera cerca de 20 mil empregos diretos. Por tudo isso, pode realmente ser difícil prender o presidente da companhia. Tanto que, segundo uma fonte do MPE, o pedido de prisão contra Fábio Schvartsman está pronto há mais de uma semana, mas tem enfrentado barreiras para ser executado. Enquanto isso, milhares de pessoas – entre parentes de vítimas e afetados pela lama da barragem – esperam uma punição adequada aos responsáveis pela catástrofe de Brumadinho.