Mais um marco histórico foi, infelizmente, registrado neste atípico biênio 2020/2021. Após 111 anos de serviços meteorológicos no Brasil, as autoridades públicas anunciaram pela primeira vez alerta de emergência hídrica para cinco estados. Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná correm grande risco de sofrer com severa falta de água e um consequente apagão energético de junho a setembro, anunciou o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). O fato acontece após dois anos de sucessivos recordes de desmatamento e queimadas na Amazônia. Coincidência? Não.

Usinas de cana discutem com governo como gerar mais energia diante de crise hídrica

A lógica é simples. A derrubada da floresta aliada a outras externalidades como o efeito La Niña provocam seca na floresta. Como consequência, os canais de umidade formados na região ficam mais fracos e não conseguem alimentar as chuvas que deveriam se formar no centro-sul do País. Resultado: seca nos mananciais que abastecem o sistema hidroelétrico brasileiro. Para se ter uma ideia, o nível de água armazenada no sistema Sudeste/Centro-Oeste – responsável por 70% do sistema nacional – está abaixo de 34%. No auge da crise hídrica de São Paulo em 2015, o volume estava em 36%.

QUEM PAGA A CONTA? VOCÊ.

Essa é a mais clara materialização do que pode acontecer caso a temperatura do planeta continue aumentando. E engana-se quem pensa que somente os estados em alerta pagarão a conta desse pato. De maneira geral, ela recairá sobre as costas – ou melhor, sobre o bolso – do cidadão brasileiro. Sem chuva suficiente, os reservatórios atingiram o nível mais crítico dos últimos 30 anos e, para evitar um apagão generalizado, o governo recorreu às usinas térmicas e à importação da energia. “O efeito de tudo isso é sentido pelo consumidor do mercado cativo que está arcando com valores mais altos na fatura”, afirmou Luisa Markman Ferraz, analista comercial na Trinity Energia.

A CONTA DE LUZ

Em termos práticos, no mês de maio eu e você pagamos bandeira Vermelha 1 (a penúltima mais crítica em uma gradação que vai da normal Verde, para Amarela, Vermelha 1 e a Vermelha 2) para usar qualquer aparelho elétrico – a última vez que isso aconteceu foi em novembro de 2019. Isso significa que a conta de luz ficou 10% mais cara, com 1 MWh valendo R$ 45,99. Em junho, após a revisão das bandeiras pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a tarifa foi para Vermelha 2. Isso significa que o brasileiro está pagando R$ 75,71 para usar 1 MWh. O consumo mensal de uma família brasileira não chega perto disso. Na região Sul do País, no verão, gira em torno de 273 kWh/mês, mas, trocando em miúdos, a conta encareceu 21% para todos.

A CONTA DO ALIMENTO

Outro aspecto nefasto recai sobre a mesa da família. Um dos setores mais impactados com a falta de chuva será o agronegócio. Ainda que o ano tenha começado com previsão de colheitas recordes, o clima pode atrapalhar os planos. De acordo com levantamento do ITAÚ BBA, a seca provocará queda de 30% na produção de café; já a safra de milho deve ser de 60 milhões de sacas ante potencial de 90 milhões de toneladas; e as culturas de cana-de-açucar, laranja e feijão também serão afetadas. Além dos prejuízos para o produtor, o consumidor será novamente impactado. “Os reajustes batem na cadeia produtiva e se estendem ao consumidor, que é quem compra carne no açougue e o arroz e feijão no mercado e fica com a conta final”, disse Fábio de Salles Meirelles, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp).

E A CONTA DE ÁGUA?

A conta também aumentou. O reajuste de 7,6% anunciado em abril pela Sabesp, no entanto, veio antes do alerta de emergência. Em outras palavras, além de pagar mais caro, o consumidor pode também arcar com o ônus de abrir a torneira e sentir na pele as consequências de um planeta menos verde e mais seco.