Ao ser eleito para o cargo de deputado federal em 2002, após comandar o BankBoston, o engenheiro goiano Henrique Meirelles já deixava claro as intenções de trilhar uma carreira política. Na época, ele aceitou abdicar do mandato parlamentar para assumir o Banco Central a convite do então presidente Lula. O bom desempenho no cargo, que ocupou até 2010, o credenciou para voltar ao governo, em 2016, com a missão de tirar o País da sua mais longeva recessão. O avanço de 1% do PIB em 2017 (leia reportagem) mostra que parte do compromisso foi alcançado. Nesta entrevista à DINHEIRO, o ministro da Fazenda detalha os ajustes que ainda serão necessários para elevar o potencial de crescimento da economia brasileira, explica como pretende fazê-los e diz que ainda está avaliando sua candidatura à Presidência.

DINHEIRO – O PIB cresceu 1% em 2017, deixando a recessão para trás. Como garantir que a retomada seja sustentável?

HENRIQUE MEIRELLES – Em primeiro lugar, a retomada está se dando por questões de fundamento econômico. Portanto, é uma retomada com maior consistência e durabilidade. Foi uma política monetária competente e bem-sucedida, feita pelo Banco Central, conjugada com uma contenção das despesas públicas, gerando mais espaço na economia para consumo e investimento. De outro lado, o Banco Central tem conseguido controlar a inflação. Essa conjugação aumenta o poder de compra da população. Com a inflação caindo, a população tem a possibilidade de comprar mais com os seus salários. Somado ao aumento da confiança, isso tudo solidifica uma recuperação. É completamente diferente de uma situação que aconteceu alguns anos atrás, quando houve um aumento artificial do crédito dos bancos públicos e do consumo, forçado pela política de financiamento. Aos poucos, aquilo não se sustentou. Agora, temos inflação baixa e gasto público controlado. Tudo isso dá uma sustentabilidade maior e já assegura um crescimento em 2018.

DINHEIRO – Parece que estamos saindo da UTI, mas quando vamos sair de vez do hospital? Quanto tempo será preciso para recuperar as perdas que foram provocadas pela recessão?

MEIRELLES – Elas serão recuperadas com a manutenção dessa política econômica. Vai demorar três anos para o Brasil recuperar as perdas causadas pela crise econômica. Agora, se alguém perguntar o que é necessário para que o Brasil cresça a taxas maiores e que mantenha esse crescimento no longo prazo, teremos que controlar o crescimento das despesas no futuro. Principalmente, a despesa da Previdência Social. Para isso, é fundamental a reforma da Previdência. Isso sim garante o crescimento do Brasil por vários anos.

DINHEIRO – O secretário de Acompanhamento Fiscal, Mansueto Almeida, disse que o Brasil teria condições de alcançar um PIB potencial superior a 3%. O senhor concorda com ele?

MEIRELLES – Sim, é possível. Primeiro, a reforma da Previdência é importante. Segundo, é preciso fazer as reformas para aumentar a produtividade – e que nós já propusemos. Anunciamos, há duas semanas, uma lista de 15 projetos prioritários, como a da privatização da Eletrobras, o da simplificação tributária, o do cadastro positivo, que facilitará o crédito do consumidor. Existe uma série de coisas que já estão em andamento. E, na medida em que esses projetos avancem, eles permitem o aumento da produtividade. Conjuntamente com a reforma da Previdência, o País pode crescer 3%. Em 2018, vai crescer 3% de qualquer maneira. Mas, para fazer com que isso seja sustentável, serão necessárias as reformas. Há potencial de crescer até mais, se todas essas reformas forem aprovadas.

DINHEIRO – O senhor está falando da reforma da previdência e já disse amplamente que tem interesse e pretensões eleitorais. Se o senhor for candidato, como explicará a derrota do governo nesse tema da previdência?

MEIRELLES – A reforma da Previdência não foi votada. Por consequência, não houve nenhuma derrota. No momento em que ela for votada haverá uma vitória ou uma derrota. A Previdência não é só um problema de governo. Ela é um problema de nação. O Brasil não conseguirá pagar essas despesas da Previdência se não fizer uma reforma o mais rápido possível. A discussão no Brasil não é se será feita a reforma da Previdência, mas quando ela será feita. Ela estava agenda para ser votada. Mas houve uma situação de crise inaceitável de violência no Rio de Janeiro e foi necessária um intervenção federal. A Constituição manda que, com intervenção, não é possível fazer mudança constitucional. Então, temos de esperar o fim dessa intervenção para votar a Previdência. Minha expectativa é a de que será aprovada.

“O próximo passo é começar a ver a questão de segurança no resto do País” – Militares fazem ronda em comunidade no Rio de Janeiro (Crédito:Carl De Souza / AFP Photo)

DINHEIRO – A economia está melhorando, como mostrou o crescimento do PIB, mas a aprovação do governo segue muito baixa. Como se explica isso? É uma avaliação injusta?

MEIRELLES – Evidentemente que diversos fatores podem influenciar na avaliação do governo. Primeiramente, existe um número muito grande de desempregados. O emprego já começou a ser criado. Criamos, no ano passado, mais de 1 milhão de empregos. A expectativa desse ano é a de que 2,5 milhões de empregos sejam criados. Mas o fato é que há ainda muitos desempregados. São 12 milhões de pessoas. Quem está desempregado acha que a situação está péssima e com razão. A outra coisa é inflação. A inflação caiu, é verdade. Mas as pessoas têm a memória de inflação muito alta. Preços que subiram muito começam a subir menos. É uma questão de a população começar a perceber e sentir a queda da inflação. Outro fator muito importante são as ações de segurança pública. Primeiro foi a intervenção no Rio de Janeiro. Agora, o próximo passo é começar a ver a questão de segurança no resto do País. Tudo isso, aos poucos, vai começar a ficar claro e atingir a maior parte da população. Não atingiu ainda a maioria da população. Mas isso vem com o tempo.

DINHEIRO – Numa eventual candidatura, não seria uma desvantagem ser associado a esse governo, com baixa aprovação?

MEIRELLES – Hoje, seria. Mas as eleições são apenas em outubro. Até lá, acreditamos que grande parte da população já terá sentido os efeitos da melhora da economia e da inflação baixa.

DINHEIRO – Voltando à questão do PIB, os dados de 2017 mostram ainda um desafio no lado do investimento. Isso torna a retomada de alguma forma menos consistente? E, de outro lado, o que falta para que esse investimento decole?

MEIRELLES – O que dá base para o crescimento do investimento é a demanda. O crescimento das agendas e crescimento da expectativa de rendas futuras faz o empresário comprar máquinas e equipamentos, construir escritório e fazer estoque para vender mais. Isso é o que dá base aos investimentos. E isso é o que está acontecendo. Agora, se olharmos o investimento, vamos ver que, no último trimestre de 2017, ele cresceu 2% em relação ao trimestre anterior. Os trimestres anteriores foram fracos. Por quê? Porque a economia ainda estava começando a reagir. Mas é muito simples. Depois da maior recessão da história, as companhias tinham muita capacidade ociosa. Então, é um movimento normal. As companhias têm máquinas paradas e capacidade de produção ociosa. Num certo momento, esgota-se a capacidade ociosa e o investimento começa. Foi o que já aconteceu no último trimestre do ano passado

DINHEIRO – O Brasil acabou de passar por mais um rebaixamento das agências de classificação de risco. Mesmo assim, a bolsa de valores está batendo recordes. O que explica esse fenômeno?

MEIRELLES – A queda da nota de crédito reflete, em primeiro lugar, a expectativa pela reforma da Previdência. Em segundo lugar, uma expectativa em relação ao resultado eleitoral. É normal isso. Tem uma eleição importante à frente. Não se sabe quem vai ganhar a eleição e qual vai ser a política econômica que será adotada pelo próximo presidente. E isso é normal. Mas evidentemente que o mercado vai incorporar diversos fatos, como a inflação baixa, as despesas públicas sob controle, as reformas sendo feitas, como a reforma trabalhista. Não há dúvida de que o mercado reagiu e valorizou a melhora dos fundamentos econômicos.

“Não há duvida de que o mercado reagiu e valorizou a melhora dos fundamentos econômicos” – A Bolsa de Valores atingiu valorização recorde em 2018 (Crédito:Bruno Rocha/Fotoarena)

DINHEIRO – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que um candidato associado ao mercado terá dificuldades de vencer a eleição. O senhor tem um trajetória no setor financeiro. Como é que o senhor se desassociaria dessa imagem em uma candidatura?

MEIRELLES – O mercado tem um número de participantes pequeno. O que elege é o maior número de votos. Agora, não há dúvida, com o mercado valorizado, significa que a economia está crescendo. Significa também mais possibilidades de financiamento das empresas e dos consumidores. E isso se reflete na criação de empregos. Isso sim é importante, inclusive, eleitoralmente.

DINHEIRO – Qual seria a sua mensagem?

MEIRELLES – A população está preocupada com alguns fatores. Primeiro, o emprego. Segundo, se a inflação vai ficar baixa, o que impacta a renda de todos. E terceiro, muito importante, se haverá recursos. O crescimento econômico vai permitir aumentar a arrecadação. Com isso, permite investimento em saúde, em educação e em segurança. Isso que é fundamental.

DINHEIRO – O que falta para o senhor decidir a sua candidatura?

MEIRELLES – Primeiro quero concluir o meu trabalho. Não fico pensando em diversas coisas ao mesmo tempo. Penso no que estou fazendo. Quando chegar a data limite, que é o início de abril, tomo a decisão. Vou analisar as condições eleitorais, a questão partidária e a composição partidária, que no Brasil é muito importante por causa de tempo de televisão. E, no final, a disposição pessoal de me candidatar.

DINHEIRO – Hoje, o senhor está para ser mais candidato ou mais para não ser candidato?

MEIRELLES – Hoje, não estou pensando no assunto. Estou 100% focado no meu trabalho e em melhorar a economia brasileira. Isso que é importante para todos e para qualquer possível pretensão eleitoral.

DINHEIRO – Os governadores pediram mais recursos. É possível repassar mais recursos para a segurança, já que esse é o tema principal agora?

MEIRELLES – O ministro do Planejamento (Dyogo de Oliveira) está estudando isso como prioridade. Agora, é preciso chamar a atenção de todos para o que, de fato, vai resolver o problema. De novo, é aumentar a arrecadação dos Estados, porque o que gerou essa crise foi a queda de arrecadação.