Um estranho hábito adotado por alguns garçons da capital paulista após as mudanças recentes na legislação trabalhista deve cair em desuso nos próximos dias. Alguns desses funcionários vinham pedindo aos clientes que pagassem a comissão de 10% apenas em dinheiro, para tentar fugir da cobrança de encargos sobre essa parcela, uma novidade instituída por uma Medida Provisória publicada dois dias após a entrada em vigor da reforma trabalhista, em novembro de 2017. O texto, que deveria ser apreciado na Câmara dos Deputados até a segunda-feira 23 para virar lei, caducou, mudando pela quarta vez, em pouco mais de um ano, a regra para gorjetas, além de outras novidades na área. De um lado, afastou-se a hipótese de uma desfiguração completa das mudanças na CLT, com as quase 1.000 emendas incluídas na medida. De outro, mantiveram-se dúvidas sobre a aplicação das novas normas.

A Medida Provisória entrou em vigor no fim do ano passado, como parte de um acordo costurado pelo governo para complementar a reforma. Modificava 17 itens do texto original, esclarecendo dúvidas deixadas pela proposta e criando atenuantes a medidas consideradas exageradas. Apesar das tentativas de modificações por deputados, nem mesmo um relator foi designado na Câmara. A expectativa é a de que o governo adote um novo instrumento para tratar dos temas pendentes, entre eles a dos encargos nas gorjetas. “Foi uma reforma muito bem-vinda, mas ficaram pontos de dúvidas”, afirma David Diaz, presidente da Arteris, de concessão de rodovias. “A MP esclarecia alguns, mas caducou. É preciso dar importância a essas regulamentações.” Segundo ele, as mudanças têm sido implementadas com cautela no grupo.

Polêmico: pressão contra a reforma no congresso motivou a redação de MP complementar (Crédito:Lula Marques/AGPT)

O vácuo criado com a extinção das regras complementares faz retornar uma das questões mais básicas da reforma. A Medida Provisória esclarecia textualmente a aplicação para todos os contratos e não apenas para quem fosse admitido depois das mudanças. Havia regulamentações específicas proibindo gestantes de trabalhar em ambientes insalubres, tema que ficara aberto, além de uma proibição de que trabalhadores autônomos fossem contratados em regime de exclusividade (veja tabela ao lado). As medidas mais polêmicas eram as alterações na modalidade do trabalho intermitente. O texto que caducou normatizava a categoria e proibia, por exemplo, a aplicação de multa em caso de desistência de um dos lados. Sem ele, um trabalhador que desistir de um serviço que aceitou terá de pagar ao empregador 50% do que receberia.

Advogados especialistas sugerem cautela das empresas na aplicação das regras e aconselham aguardar a edição de um substituto da Medida Provisória prometido pelo governo. “A Medida Provisória melhorava a redação da lei”, afirma Fabio Chong, sócio trabalhista do L.O Baptista Advogados. “Boa parte do mercado está em compasso de espera.” Uma parcela dos empresários, porém, entende que o fim da tramitação encerra o risco de alterações bruscas que seriam criadas com as emendas, abrindo espaço para a decisão das empresas. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) prevê uma onda de contratações de trabalhadores intermitentes e uma criação de até 400 mil novas vagas nessa categoria neste ano. “O trabalho intermitente melhora muito a produtividade”, afirma o presidente da entidade, Paulo Solmucci Junior, que também preside a União Nacional de Entidades de Comércio e Serviço (Unecs). “Hoje, quem está inibindo esse avanço é um monte de advogados e contadores que estão trabalhando com risco zero. Empreender não é trabalhar com risco zero, mas sim com risco moderado.”

O risco a que se refere é de que as dúvidas deixadas no vácuo da regulamentação possam se transformar em derrotas na Justiça do Trabalho. Um caso hipotético é o da quarentena para se recontratar um funcionário demitido num regime de intermitente. A carência havia sido instituída pela Medida Provisória. Sem ela, as empresas podem demitir e recontratar pelo regime de convocação eventual logo em seguida. A dúvida é como isso seria interpretado pelos juízes. Num dos temas mais controversos, o fim da contribuição sindical, entidades conseguiram na Justiça liminares autorizando a cobrança obrigatória, gerando dúvidas sobre a aplicação da reforma. “Espaço para esse tipo de coisa sempre vai existir, mas as partes têm de mudar a forma de advogar”, afirma Ivo Dall’Acqua Junior, vice-presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP). Para ele, os sindicatos devem assumir o protagonismo e negociar o esclarecimento das questões ainda pendentes. Só o tempo irá dizer se haverá disposição de ambas as partes. Até lá, fica mais uma vez um vácuo das normas trabalhistas.