Em uma noite de véspera de feriado, centenas de alunos e professores da USP se deslocavam pelo prédio em busca de uma sala grande suficiente para acomodá-los. O evento promovido pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) traria professores da casa para discutir o cenário político atual. Depois de entrarem e saírem quatro vezes de salas e auditórios, as palestras foram transferidas para o vão livre do prédio de História, único espaço onde caberia tanta gente.

“Muitos acham que podem nos amedrontar, mas ninguém vai abrir mão dessa profissão”, gritava no microfone o professor da USP e cientista político André Singer, que foi porta-voz do governo Lula. Os rostos desolados pelo resultado recente da eleição presidencial procuravam esperança. “O papel das humanas é trabalhar o pensamento crítico e o clima não está favorável para isso”, comentava o professor da unidade Gustavo Venturi, na plateia.

A Faculdade de Filosofia foi um dos marcos da resistência à Ditadura Militar. Desde então, tem sido associada a um reduto de esquerda. Assim que foi declarada a vitória de Jair Bolsonaro, integrantes de grupos de direita da USP passaram a se organizar para, no dia seguinte, “marchar em direção à FFLCH”. Os estudantes da unidade, por sua vez, rapidamente se juntaram para “combater os fascistas”. A reitoria foi avisada, colocou a Polícia Militar para acompanhar ambos os protestos e não houve confronto.

“Eu nem vim à aula, de medo do que aconteceria. A FFLCH e outros cursos da área de humanas são o foco de resistência e por isso são alvos”, diz a estudante de História. Nenhum dos alunos ouvidos pela reportagem quis que seu nome fosse publicado. “Foi um preâmbulo do que pode acontecer nesses quatro anos”, completa o colega.

Na mesma semana pós eleições, os alunos da Faculdade de Economia e Administração (FEA) se surpreenderam com a foto postada em redes sociais de colegas portando armas, vestidos com roupas militares e fazendo insultos a petistas. “Isso mancha a imagem da universidade, faz com que a gente seja visto como fascista e reforça um estereótipo que somos de direita”, comenta um aluno de Administração de Empresas.

“É preciso entender que não existe um bloco homogêneo para esquerda ou para a direita na universidade, isso é estigma. Dependendo da área, há uma tendência, mas que muda de acordo com o contexto histórico”, diz o professor de História Medieval da USP, Flavio Campos.

Outro professor, físico, que não quis que seu nome fosse publicado, concorda. “É injusto achar que universidades são antros de comunistas, as pessoas têm pensamento crítico.” Para eles, essa ideia acaba aumentando os conflitos e desvalorizando o papel das instituições. “O espaço da universidade é o da pluralidade.”

Verbas

Diante do quadro atual, professores e pesquisadores de áreas como gênero e sexualidade se preocupam com a diminuição de verbas para pesquisas. Agências federais são as grandes financiadoras da Ciência no País. “O que nos assusta é a falta de conhecimento básico, reduzir gênero a uma ideologia simplista. Pesquisamos situações de mulheres na sociedade, sexualidade, bullying”, diz a professora de uma universidade pública do Rio, que pediu anonimato.

Os estudos de gênero existem desde a década de 70, são reconhecidos como uma área importante da sociologia e têm crescido. Segundo outra pesquisadora, falar de gênero na escola significa ensinar as crianças a identificar uma violência sexual e respeitar umas as outras a despeito da diversidade. “Não se combate a pedofilia jogando a discussão sobre sexualidade para debaixo do tapete”, diz.

Há ainda temores de menos verbas para Humanas em geral e para a ciência básica. “O governo eleito parece querer favorecer a pesquisa aplicada, que dê mais resultado”, diz um aluno de doutorado em astronomia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.