O setor de saúde se destaca, há quase um ano, no topo dos temas mais noticiados em todo o mundo. Taxa de ocupação de leitos de UTI, investimentos em novos equipamentos, pesquisas para o desenvolvimento de medicamentos, técnicas inéditas para o combate à Covid-19, primeira onda, segunda onda, vacinas… O que não faltou foi assunto. Na semana passada, uma notícia positiva para a indústria médica e hospitalar no País dividiu espaço com a cobertura da pandemia: dois dos maiores grupos brasileiros de planos médicos, a Hapvida e a NotreDame Intermedica (GNDI), estão negociando uma união. “Estamos falando da junção das duas operadoras que mais crescem em todo o País”, disse o CEO da Hapvida, Jorge Pinheiro, em teleconferência com analistas, na segunda-feira (11). “A fusão é esperada não apenas pelo mercado. Já há alguns anos nós desenhamos essa possibilidade, em função da história e dos modelos similares das duas companhias”, afirmou.

À primeira vista, a proposta de fusão é um jogo de ganha-ganha, atraente para ambos os lados sob o aspecto de sinergias. A companhia resultante da união seguiria listada no Novo Mercado da B3 e os acionistas da Hapvida e da NotreDame Intermedica, do empresário Irlau Machado, teriam, respectivamente, 53,1% e 46,9% do capital. “O resultado será positivo para as duas porque haverá a possibilidade de reduzir custos, especialmente na compra de insumos de fornecedores”, afirmou João Júlio Matos, analista da gestora Helius Capital.

Se o namoro resultar em casamento, Hapvida e NotreDame criarão um negócio com 13,6 milhões de beneficiários de plano de saúde e odontológicos, além de um valor de mercado de mais de R$ 120 bilhões. Pelos cálculos da consultoria Economatica, juntas as duas companhias ocupariam o 11º lugar no ranking de empresas listadas na B3, à frente do Banco do Brasil. Atualmente, a Hapvida e NotreDame figuram na 17ª e na 19ª posições, respectivamente.

A potencial nova empresa agitou o mercado de ações. Em apenas dois pregões depois do anúncio, Hapvida e NotreDame Intermedica (GNDI) se valorizaram em R$ 32,5 bilhões na B3. Com isso, a companhia combinada chegou a um valor de mercado de R$ 129,4 bilhões na quarta-feira (13), mais do que vale a Rede D’Or, avaliada em R$ 121,6 bilhões. Tamanha euforia se justifica. A fusão deve criar uma das maiores operadoras verticalizadas de todo o mundo, com uma respeitável infraestrutura própria. Juntas, as empresas terão sob o guarda-chuva 84 hospitais próprios, 280 clínicas e 257 unidades de diagnóstico. A maior concorrente, a Rede D’Or, mantém hoje uma rede de 51 hospitais próprios, um sob administração e outros 32 projetos em fase de desenvolvimento ou construção.

Outro ponto positivo na possível união das empresas é a possibilidade de oferecer um atendimento unificado em todo o território nacional a multinacionais e empresas de grande porte, com a abertura para as reduções de custos nesse processo. Atualmente, essas empresas enfrentam dificuldades na hora de negociar um plano de saúde de cobertura nacional quando estão instaladas em regiões onde predominam cooperativas e administradoras locais de planos de saúde. Por isso, segundo o CEO da Hapvida, poderá haverá um salto significativo no número de grandes companhias em sua carteira. “Há pouca sobreposição e cria algo único no Brasil”, disse o executivo. Atualmente, as empresas compartilham grandes clientes com alcance nacional, como as varejistas C&A, Grupo Pão de Açúcar e Riachuelo.

Além conquistar mais musculatura, a fusão das companhias se dará em um momento peculiar do setor de planos de saúde. Apesar da crise econômica e forte queda do PIB em 2020, essa indústria tem sentido menos a retração da renda por estar também em meio a uma crise de saúde pública. Pelos números da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), hoje apenas 22% da população brasileira tem acesso a planos privados, e esse percentual vem caindo lentamente nos últimos três anos por causa dos custos. No entanto, como a grande maioria (78%) da população ainda depende do Sistema Único de Saúde (SUS), há um imenso potencial para crescer. Soma-se a isso o público-alvo. As duas empresas têm o menor tíquete médio da categoria, e operam numa faixa de preços inferior a concorrentes como Amil, Bradesco, Sulamérica e Unimed. “Isso faz com que elas sejam as mais promissoras”, disse Matos, da Helius Capital.

SINERGIA Depois de analisados os números por trás da negociação, alguns bancos de investimento destacaram que a complementaridade das operações da Hapvida e da NotreDame fazem parecer que uma foi feita para a outra. O BTG Pactual afirmou, em seu relatório, que não havia dúvida de que Hapvida e NotreDame se “casariam um dia” e garantiu que o negócio não poderia ser melhor para das duas empresas. “Após uma intensa atividade de M&A de ambos em 2020, o acordo significa simplesmente um xeque-mate na indústria”, escreveram os analistas Samuel Alves e Yan Cesquim, para quem a fusão deve garantir à nova companhia uma posição de liderança sólida no mercado brasileiro.

ATENDIMENTO NACIONAL Com 13,6 milhões de clientes e uma rede própria com mais de 80 hospitais, a nova empresa terá mais capacidade de atrair tanto os planos individuais quanto os corporativos . (Crédito:João Castellano/ISTOE)

Na mesma linha do BTG, o Credit Suisse estima uma diminuição de R$ 500 milhões nas despesas gerais, o que representa 50% dos gastos nessa linha pela NotreDame. Assim que a fusão for concretizada, uma nova frente de negócios deverá ser lançada. Trata-se do relegado segmento de planos individuais nas praças de atuação da Intermedica, ou seja, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina. Na capital paulista, por exemplo, não há produto voltado à pessoa física entre as grandes operadoras desde a falência da Unimed Paulistana, em 2015. “Temos experiência de mais de 30 anos com plano individual, temos metodologia, protocolos e tecnologia”, disse o presidente da Hapvida. Segundo o Credit Suisse, a oferta de planos individuais do GNDI pode chegar a 15% de sua base até 2029. Já na Hapvida, 26% de sua carteira é composta por essa modalidade de convênio médico.

ENTRAVES Mas nem tudo são flores no romance entre Hapvida e NotreDame Intermedica, e há entraves que precisarão ser equacionados.Juntas, elas devem R$ 450 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a ANS. A cifra se refere aos ressarcimentos que os planos privados devem fazer ao governo quando seus associados são atendidos na rede pública. A primeira deve R$ 221,6 milhões. A segunda, R$ 229,6 milhões.

Com esse elevado grau de endividamento, no ranking das cinco maiores operadoras de planos do país elas são as únicas que apresentam o Índice de Efetivo Pagamento (IEP) em 0%. Esse indicador criado pela ANS expõe o percentual de valores pagos ou parcelados em relação ao total supostamente devido pelas empresas. Na lista das maiores operadoras do País em número de beneficiários (Bradesco Saúde, Amil e Sulamérica) aparecem acima dos 99%, bem distantes de Hapvida e NotreDame.

A Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge), representando a Hapvida, argumenta que existem discordâncias em relação aos valores, e a operadora tem optado pelo pagamento na Justiça. “A judicialização não é uma estratégia das operadoras de planos, e sim um direito. Ademais, os valores estão 100% provisionados de acordo com a legislação vigente, incluindo eventuais juros, multas e correção monetária”, afirmou a entidade.