A semana que começou com a triste notícia da morte do diplomata Sergio Paulo Rounaet, autor da Lei Federal de Incentivo à Cultura que ficou conhecida por seu nome, trouxe o que parece ser ao menos um alento para a classe artística e para a economia criativa do Brasil. Na terça-feira (5), o Congresso Nacional derrubou os vetos de Bolsonaro a duas outras leis criadas com a finalidade de repassar recursos da União para que estados e municípios possam investir em programas de fomento à Cultura.

Com os votos de 356 deputados e 66 senadores, foi aprovado o Projeto de Lei Complementar n° 73, de 2021, que recebeu o nome de Lei Paulo Gustavo em homenagem ao ator morto em maio do ano passado por complicações da Covid. O PL dispõe sobre o repasse de R$ 3,8 bilhões para aplicação em ações emergenciais no setor cultural. Já a Lei Federal 14.017/2020, mais conhecida como Lei Aldir Blanc (LAB), em memória ao compositor que também morreu devido à pandemia, prevê a destinação para a indústria criativa de R$ 3 bilhões ao ano a partir de 2023. O veto presidencial foi rejeitado por 414 deputados e 69 senadores. A festa dos artistas em torno das duas aprovações é perfeitamente justificável. O Brasil necessita do acesso a esses recursos. Assim como Bolsonaro precisa entender que não basta uma canetada para destruir uma atividade que gera emprego, renda e constrói a identidade de uma Nação aos olhos do mundo. Mas é preciso entender as motivações dos nossos parlamentares antes de acreditar que todos os que votaram pelos vetos foram movidos pelos mais nobres ideais. Afinal, estamos no Brasil — e nossos atuais congressistas, em sua esmagadora maioria, estão muito longe de servir de exemplo quando o assunto é o respeito ao cidadão e ao dinheiro público.

Antes de questionar até que ponto vão as boas intenções de deputados e senadores, é preciso esclarecer por que o Brasil precisa de tanto dinheiro na Cultura quando há tantos outros problemas a serem enfrentados e falta dinheiro para quase tudo. Para compreender isso, é preciso voltar no tempo. Quando a Lei Rounet foi criada, em 1991, durante o governo Collor, a Cultura havia sido duplamente destruída. Em parte pelo plano econômico com o qual a então a ministra Zélia Cardoso de Mello pretendia combater a hiperinflação, que àquela época atingira o recorde histórico de 80% ao mês. Ao confiscar a poupança, o governo afastou o brasileiro do consumo — inclusive de produtos culturais. Com o dinheiro contadinho para as necessidades básica de sobrevivência, quem iria pensar em cinema, teatro, exposição de arte? A solução para retomar a atividade cultural foi criar um mecanismo de fomento por meio do qual a iniciativa privada assumiria parte da conta, destinando a projetos do setor parte do que deveria pagar em impostos. Foi uma ideia brilhante, à qual se somou outra: a Lei do Audiovisual, com um mecanismo semelhante, acrescido da possibilidade de ganho financeiro sobre os projetos investidos. Com essas duas leis em funcionamento, a Cultura voltou a respirar. O cinema brasileiro renasceu e reconquistou o interesse do público. Empresas passaram a custear não apenas filmes como megaexposições de arte, peças de teatro superproduzidas e turnês dos mais requisitados artistas internacionais. Bancos e outras empresas criaram novos centros culturais e adotaram casas de espetáculos. Claro que no meio disso houve desvios, mas as duas leis nasceram com dispositivos antifraude. Com isso, tanto as pessoas físicas quanto as empresas que tentaram levar vantagem dos incentivos sofreram punições — como deve ser.

Até que o atual governo declarou que a Cultura e os intelectuais são inimigos (ao lado da ciência) do povo brasileiro de bem. A Lei Rouanet começou a ser atacada como se ela tivesse alguma culpa sobre as mazelas do País. Os tetos de captação e remuneração para artistas e produtores foram reduzidos até se tornarem irrisórios. Com a pandemia, o setor que já vinha sofrendo agonizou de vez. Daí a importância dos recursos previstos nas leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo. Em tese, eles servirão para tirar o paciente — a Cultura — da UTI. É por isso que a aprovação quase unânime pelo Congresso deve ser vista com certa desconfiança. Ao garantir as verbas para que estados e municípios invistam no setor, os parlamentares ficam bem na foto. Agradam os artistas e suas bases eleitorais. Mas (de novo) estamos no Brasil. E saber de que forma e com qual finalidade serão gastos quase R$ 7 bilhões na Cultura por governadores e prefeitos será sempre um mistério.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO