No auge da crise financeira global de 2008, o escritor e pesquisador americano Paul Roberts fez fortuna, com a venda de mais de 100 mil exemplares em todo o planeta do livro The End of Oil (O Fim do Petróleo), escrito quatro anos antes. O desempenho repentino no mercado editorial ganhou holofotes não só por se tornar um best seller da recessão, mas também pela ousadia de sua tese: a de que o mundo deixaria de precisar do petróleo antes mesmo do esgotamento das reservas. Naquele ano, a cotação internacional da commodity atingia o maior valor da história, acima de US$ 140 o barril, e uma economia internacional sem consumo do petróleo parecia algo muito distante.Passados mais de dez anos, pode-se dizer que Roberts errou ao apontar para o produto, mas não erraria se mirasse no preço.

Nas últimas semanas, os conflitos entre dois grandes produtores globais, a Arábia Saudita e a Rússia, mostraram que o ouro negro segue como importante fonte de embates e turbulências em todo o mundo. Depois de chegar à maior baixa em 18 anos, a US$ 20 o barril tipo Brent, a cotação subiu para US$ 30 na última semana. A alta ocorreu após acordo entre os maiores produtores para cortar 10% da oferta global. Os preços, no entanto, ainda estão em menos da metade do nível do início do ano. E há um agravante: mesmo com menos petróleo em circulação no mundo, a queda na demanda impõe um risco adicional ao preço do produto no médio prazo. “Os cortes ainda não são grandes o suficiente para evitar um alto acúmulo global de estoques no segundo trimestre”, informaram analistas da consultoria Facts Global Energy.

Especialistas globais em energia, até o momento, estão céticos de que o pacto seja suficiente para aumentar os preços em curto prazo. Isso porque, com medidas de isolamento social para conter a proliferação do novo coronavírus, grande parte das maiores economias do mundo está fechada. Teme-se que uma recessão profunda reduza ainda mais a demanda por petróleo. A Capital Economics avalia, em relatório, que o preço seguirá baixo, mesmo se houver acordo no Opep+ sobre corte na produção, graças ao “colapso na demanda”. A consultoria diz que os preços do Brent devem oscilar perto da faixa entre os US$ 20 e US$ 30 o barril, até que as medidas de restrição ao movimento por causa da Covid-19 sejam “completamente retiradas”.

QUEDA LIVRE Negociando perto dos menores valores dos últimos anos, o petróleo teve dias de alta recentemente. Mas especialistas acreditam em novas quedas, o que pode baixar os preços ao consumidor final. (Crédito:Divulgação)

MAIS CORTES Na prática, para equacionar a relação entre oferta e demanda, a Opep cortará 9,7 milhões de barris por dia na produção de petróleo – que até fevereiro era de 94,4 milhões – em maio e junho, e seguirá com cortes menores, até abril de 2022. Para a organização, isso estabilizará os mercados globais de energia. No entanto, autoridades de energia da Arábia Saudita afirmaram que as medidas tomadas acabarão sendo ainda maiores, afetando cerca de um quinto do suprimento global, embora isso inclua reduções impostas a produtores fora da Opep pelo recente colapso do preço do petróleo, como os do problemático setor de xisto nos Estados Unidos.

Segundo James Williams, presidente da WTRG Economics, consultoria americana de gestão empresarial, os preços continuarão a ficar abaixo de US$ 20 por barril. “O consumo caiu em cerca de 30 milhões de barris por dia, ou talvez mais”, afirma Williams. Ao final de 2019, o consumo médio diário girava em torno de 100,3 milhões de barris diariamente, segundo a Opep. “Tudo o que a queda na produção vai fazer é desacelerar a acumulação recorde de armazenamento. À medida que o armazenamento for preenchido, haverá mais pressão para descida do preço.”

Entre os especialistas no assunto, há forte consenso sobre a queda na demanda e a necessidade de novos cortes na produção de petróleo. A consultoria Energy Aspects projeta que o corte total do grupo Opep+, comparado ao nível médio no primeiro trimestre, será um pouco menor do que o anunciado e poderá ser mais próximo de 7 milhões de barris/dia, cerca de 7% da demanda antes da crise global causada pelo coronavírus. Os corretores avaliam que as reduções de oferta conduzidas pelo mercado em países como os EUA já foram precificadas nos balanços de oferta e demanda. Já os analistas do banco Goldman Sachs afirmaram, em relatório, que não consideram novos cortes voluntários de petróleo. “Os baixos preços vão forçar todos os produtores e contribuir para o reequilíbrio do mercado”, diz o banco.