22/02/2019 - 11:00
Os indicadores da Argentina em 2018 não deixam dúvida sobre as razões para recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O peso argentino perdeu mais de 50% de seu valor, a inflação foi a maior em 27 anos e o Banco Central elevou os juros para 60% ao ano. Em vez do crescimento de 3% esperado para 2018, é provável que o ano tenha fechado com uma recessão de 2,6%. O presidente Mauricio Macri tenta a todo custo reverter uma catástrofe nas contas públicas: os “déficits gêmeos”. Há um rombo tanto na diferença entre o que se arrecada e gasta internamente (déficit primário) quanto nas transações feitas externamente (déficit externo). A ajuda do FMI tentou evitar uma situação extrema na qual não seria possível pagar a dívida — e o país entraria em calote, como já fizera em 2002. O risco foi temporariamente afastado, mas um olhar atento aos dados indica que o fantasma ainda está na sala.
Quem faz o alerta é o BNP Paribas, em um relatório exclusivo para DINHEIRO. Segundo o banco francês, o mercado está subestimando os riscos, uma vez que o país terá de buscar no mercado ao menos US$ 50 bilhões em financiamentos em 2023. A cifra representa a diferença entre o que o governo tem em caixa e as dívidas em vencimento. O quadro exigirá uma enorme capacidade de negociação do novo governante que será eleito em outubro e tomará posse já em dezembro deste ano. Os cálculos feitos a partir de indicadores de risco da Argentina mostram que os números do mercado indicam uma chance de calote de 34%. O BNP projeta como um número mais realista: 45%. Como referência, o Brasil apresenta um risco de calote de 10%, com base no Credit Default Swap (CDS), de 5 anos, tido como um indicador de risco-país.
No acordo firmado no ano passado, o FMI aceitou emprestar US$ 57 bilhões à Argentina. Em troca, exigiu a meta de zerar o déficit primário em 2019 e alcançar um superávit de 1% em 2020. O governo precisou adotar medidas de austeridade, como o corte em gastos com saúde e educação, além de taxar exportações. Como o alvo oficial do resultado primário era de -2,5% e o governo entregou um déficit de -2,4%, o mercado ficou menos apreensivo. Mas a visão do BNP é assumidamente outra. Para o banco francês, o déficit total está subestimado porque não leva em conta ganhos contábeis com transações de depósito nem as dívidas de governos locais. “Estamos falando de um país em recessão, com índices de crescimento que assustam e com uma inércia inflacionária enorme”, afirma Gabriel Gerstein, chefe global de estratégia para emergentes do BNP Paribas. “O acordo de 2018 foi emergencial, como se o país estivesse na UTI, para evitar um colapso.”
As projeções do FMI sugerem uma recessão de 2,9% neste ano, com a economia voltando a crescer a partir de 2020. Quaisquer variações nesses números ou na capacidade do governo rolar a dívida que está para vencer podem alterar o quadro. No pior cenário, o governo teria de levantar quase R$ 100 bilhões no mercado para se financiar em 2023. Daí se conclui que o próximo presidente terá de voltar ao FMI e tentar estender o prazo para o início do pagamento das parcelas, originalmente previsto para 2021. Uma das questões que tornam o caso da Argentina mais complexo é que boa parcela da dívida foi contraída em dólar. Se o peso desvaloriza, o déficit em moeda estrangeira aumenta.
RISCO POLÍTICO A cena econômica conturbada ganha contornos ainda mais complexos com a aproximação das eleições presidenciais. Protestos recentes nas ruas evidenciaram a insatisfação com governo Macri, cujo índice de impopularidade bateu em 58%. Ele impôs uma agenda reformista de corte de subsídios (como de gás e luz) assim que assumiu, em 2015.
A principal opositora continua sendo a ex-presidente Cristina Kirchner, hoje senadora. Ela é acusada pela Justiça de utilizar a máquina pública a seu favor no período em que ocupou o poder (2007-2015), além de ser considerada a culpada do endividamento repassado a Macri. Seu nome não é o favorito para voltar à Casa Rosada, mas os peronistas não conseguiram encontrar um nome relevante para as eleições deste ano.
Mesmo que nenhum dos dois tenha oficialmente declarado sua participação na corrida eleitoral, Macri e Cristina estão praticamente empatados, com cerca 30% das intenções de voto cada um, segundo pesquisas recentes. Isso os levaria para o segundo turno. “É uma situação similar ao que aconteceu no Brasil em 2018, onde os candidatos eram rejeitados, mas ainda assim havia força política o suficiente para que fossem eleitos”, explica Patricio Giusto, cientista político da consultoria Diagnostico Politico.
Outros velhos nomes da política, como o peronista moderado Roberto Lavagna e a deputada federal da coligação de Macri, Elisa Carrió, não alcançam por enquanto mais do que 15% das intenções de voto, não oferecendo uma terceira via. Se a economia de fato mantiver uma trajetória tão frágil, a reeleição de Macri não está garantida e o risco político com o próximo mandatário pode balançar ainda mais a economia. “O problema é que trata-se de uma recessão em um ano de eleições”, afirma Patricia Krause, economista-chefe da seguradora de crédito Coface.“O risco político vai continuar praticamente o ano inteiro.”
Assim como no Brasil, a turbulência se deve às incertezas de que o próximo presidente terá condições de fazer ajustes para garantir a sustentabilidade das contas públicas. É uma péssima notícia aos exportadores de produtos manufaturados brasileiros, já que setores como o de veículos tem a Argentina como destino principal das vendas externas.