A Lei de Falências, que inseriu o instituto da recuperação judicial no Brasil, em 2005, tem ajudado as empresas a ganhar fôlego até conseguirem se reestruturar financeiramente. O recurso impede que os credores peçam a falência e a penhora de ativos da devedora. De lá para cá, o número de companhias que optaram por esse caminho cresceu. E, agravado pela crise econômica instaurada no país nos últimos anos, atingiu o seu ápice histórico em 2016. Naquele ano, mais de 1,8 mil empresas recorreram a esse expediente em busca de uma nova chance. O curioso, porém, é que mesmo em um cenário ainda pouco favorável, com restrições de acesso ao crédito e elevação dos custos, a taxa de pedidos de recuperação judicial recuou 18% no primeiro semestre de 2019, comparado com igual período, um ano antes.

Virada: Eurico Teles, CEO da Oi, ressalta que a empresa já conseguiu reduzir R$ 46 bilhões da dívida em recuperação judicial (Crédito:Paula Johas/F3)

Esses indicadores sinalizam, a princípio, uma luz no fim do túnel. No entanto, segundo fontes consultadas pela DINHEIRO, eles não traduzem, necessariamente, que essa é uma tendência sustentável e que o pior já passou. Uma das teorias envolve a euforia inicial entre os investidores e empresários em relação à agenda liberal do novo governo. “As empresas acreditaram que haveria uma retomada no curto prazo e decidiram segurar um pouco mais as suas operações”, diz Fábio Astrauskas, economista e CEO da consultoria Siegen, especializada na reestruturação de companhias. O grande problema, ressalta o analista, é que a gestão do presidente Jair Bolsonaro frustrou essa expectativa. “O otimismo já se desfez e enquanto não houver uma visão clara sobre o reaquecimento da economia, a tática de adiar a busca pela recuperação judicial não irá se prolongar.”

DÚVIDA Há mais elementos que colocam o aparente cenário de melhora em xeque. A extensa rede de corrupção revelada pela Operação Lava Jato ajudou a inflar os pedidos de recuperação judicial nos últimos anos. Corroídas pelo envolvimento nesses escândalos, OAS, Galvão Engenharia e UTC são alguns dos nomes que buscaram essa alternativa. A Odebrecht foi um dos poucos grupos que resistiram mais tempo às consequências das investigações. No fim de junho, no entanto, a empresa protocolou o maior pedido de recuperação judicial da história, com dívidas totais estimadas em R$ 98,5 bilhões. Outros casos recentes ganharam destaque, como Avianca, Editora Abril, Saraiva, Livraria Cultura e Grupo Paquetá. “Os grandes grupos têm ativos, acesso a crédito, caixa e mais alternativas para evitar ou adiar o processo”, diz Cláudio Montoro, sócio da Capital Administradora Judicial. “Entre as micro, pequenas e médias empresas, que são a maioria do mercado, as opções são mais escassas. Boa parte já quebrou ou se ajustou.”

Economista da Boa Vista SCPC, Vitor França observa que o universo de empresas de menor porte ganhou ainda mais volume entre 2015 e 2018. Diante da retração do mercado e da alta taxa de desemprego, os brasileiros enxergaram na abertura de pequenos negócios um recurso de sustento ou mesmo de complemento de renda. “Esse movimento levou a um ambiente de alta tomada de crédito que, somado à recessão, resultou na queda de receita, trouxe dívidas e elevou o número de pedidos de recuperação e de falências”, diz França.

Se boa parte das empresas já pagou o preço no passado, há, no entanto, um fator mais consistente que ajuda a explicar o recente recuo no número de pedidos de recuperação judicial: como praticamente ninguém escapou ileso da crise, muitos credores entendem que, pior do que não receber, é não resolver a situação, parar de vender e, até mesmo, ver o cliente fechar as portas. “Existe um ambiente mais favorável para a renegociação de dívidas na própria cadeia”, diz Luiz Marcatti, sócio e CEO da consultoria Mesa Corporate. “Se o fornecedor pressionar demais, pode ver sua carteira de clientes desaparecer.”

Não deu para segurar: entre 2018 e 2019, gigantes como Avianca, Odebrecht e Editora Abril não conseguiram honrar suas dívidas e recorreram à mediação da Justiça (Crédito:Marivaldo Oliveira/Codigo19 | Divulgação)

FÔLEGO Sob esse contexto, entre as empresas que precisaram recorrer à Lei de Falências, a Oi é emblemática. Aprovada em dezembro de 2017, a recuperação judicial da tele, aprovada com o valor de R$ 65 bilhões, era a maior da história até o pedido protocolado pela Odebrecht. À parte a perda da “liderança”, a companhia é um exemplo de uma operação que tenta se reerguer com o fôlego extra dado por essa ferramenta. “A aprovação do plano trouxe maior previsibilidade e clareza para a empresa”, diz Eurico Teles, CEO do grupo. “Desde então, nós fizemos um corte rigoroso de custos, aceleramos investimentos e promovemos uma completa transformação digital da companhia.” De lá para cá, a Oi reduziu sua dívidapara R$ 19 bilhões. Em 2018, o corte de custos trouxe uma economia de R$ 1,4 bilhão, queda de 8% em relação aos gastos do ano anterior. Em janeiro, por sua vez, concluiu um aumento de capital de R$ 4 bilhões. E, entre outras medidas implantadas durante a recuperação, reforçou sua governança com uma nova gestão e Conselho de Administração independentes.

De acordo com Fábio Astrauskas, menos de 50% das empresas que entram em recuperação judicial conseguem se reestruturar completamente do ponto de vista econômico. “Aquelas que fizerem a lição de casa reduzindo custos e ganhando produtividade têm mais chance de retomar o seu nível de atividade”, afirma. Há um consenso entre os especialistas de que, escolhida essa alternativa, é necessário ter em mente que o caminho à frente será árduo. “Muitos desses processos fracassam pelo fato de que, ao primeiro sinal de melhora, os empresários voltam a cometer os mesmos erros que levaram a companhia ao vermelho”, diz Marcatti, da Mesa Corporate. “É essencial entender que a empresa está na UTI e precisa tomar remédios amargos. Não é porque você diminuiu a febre que venceu a infecção.”