A esta altura, todos já sabemos que vamos perder (muito) com esse surto do coronavírus. E que os mais vulneráveis, como sempre acontece, perderão mais. Nesse grupo de risco entram as empreendedoras – no Brasil, 24 milhões de mulheres segundo dados oficiais.

A maior e mais completa pesquisa sobre empreendedoras brasileiras, repetida a cada ano pela Rede Mulher Empreendedora, desenha os detalhes dessa vulnerabilidade dos negócios liderados por mulheres. Metade das empreendedoras brasileiras faturam menos de 2.500 reais por mês e começam o negócio sem qualquer planejamento, 40% sem capital, e 73% tomam todas as decisões do negócio sozinhas – não por estarem empoderadas, mas por absoluta falta de apoio.

Boa parte empreende depois da maternidade, porque perde o emprego ou está tentando equilibrar a rotina com filhos e outras responsabilidades – o resultado é uma carga horária 24% maior que a dos empreendedores homens. Sobra menos tempo para administrar um negócio ainda novo: 61% têm menos de 3 anos. E 41% delas não conseguem ainda separar as contas da casa e da empresa (32% controlam essas contas num… caderno!).

As empresas que elas lideram são, portanto, pequenas. Mas o impacto é grande: 38% das empreendedoras brasileiras estão sustentando suas famílias unicamente com a renda desses negócios. Só por isso, o empreendedorismo feminino já mereceria atenção. Mas tem mais – e tem coisa boa também que, neste momento de crise, pode até apontar algumas saídas.

Estudos feitos no Brasil e em várias partes do mundo, em cenários e condições sociais parecidos com o nosso, mostram um padrão no comportamento das mulheres empreendedoras. A maior parte delas tem filhos e família. Quando empreendem, sua maior motivação é colocar comida na mesa, um teto sobre a cabeça da família – e os filhos na escola. Esse é seu primeiro compromisso. Quando empregam, buscam gente à sua volta, abrindo oportunidades para os iguais. E quando conseguem investir, investem na sua comunidade. Com dinheiro no bolso, não raro escapam de círculos de violência doméstica e estendem essa possibilidade a outras mulheres.

Uma mulher empreendedora, portanto, é um poderoso agente de transformação social. Neste momento em que vamos ter de superar uma crise inédita e global, apostar nelas pode ser uma das melhores (e mais seguras) formas de avançar em várias frentes ao mesmo tempo.

Essa aposta, aliás, pode começar hoje mesmo, com a ampliação dos programas de compras inclusivas no setor privado (sim, o governo tem a sua parte, mas hoje está difícil tocar nesse assunto por estas bandas…). Em algumas empresas, todo bid já precisa ter negócios liderados por mulheres – algumas até garantem uma cota reservada às empreendedoras, com metas para ampliar essas compras. O objetivo é, um dia, nem precisar mais da cota. E como o gargalo é sempre o cadastro, elas criam alguma flexibilidade para as empresas pequenas ou com histórico ainda reduzido no mercado. É por onde começam.

Na próxima coluna, vou trazer algumas experiências positivas de quem testou e aprovou esse modelo, efetivo para apoiar os negócios liderados pelas mulheres ao garantir um faturamento com o qual, hoje, muitas sequer conseguem sonhar (e não só pelo volume, mas pelo acesso mesmo às grandes compradoras). São empresas que estão levando a sério o seu discurso de inclusão e de igualdade – e topando o desafio de mudar o mundo para melhor, mesmo que um passo de cada vez.