O megainvestidor George Soros tem apetite para batalhas arriscadas. Em 1992, ele ganhou bilhões de dólares ao apostar na desvalorização da libra esterlina, a moeda do Reino Unido. Soros ganhou as manchetes como o “homem que quebrou o Banco da Inglaterra” no episódio conhecido como “quarta-feira negra”. Agora, ele tenta barrar o Brexit, o acordo de retirada dos britânicos da União Europeia. Dono de uma fortuna estimada em US$ 25,2 bilhões, Soros doou cerca de US$ 560 mil o para o Best for Britain, uma organização que faz campanha para manter o país no mercado comum europeu. O bilionário promete ainda contribuir com mais US$ 140 mil para pausar o processo de divórcio. “As fundações de George Soros fizeram, como outros grandes doadores, contribuições significativas para o nosso trabalho”, disse Mark Malloch-Brown, líder do grupo contra a separação.

O Best for Britain trabalha em uma campanha para lançar, ainda em fevereiro, um novo referendo sobre o Brexit, apesar da aprovação de 52% da população em 2016. O governo tem reagido ao movimento e promete uma série de intervenções. A primeira aconteceu na quarta-feira 14, quando o ministro de Relações Exteriores, Boris Johnson, afirmou que seria “intolerável e antidemocrático” voltar atrás na saída da União Europeia. “Apesar da crescente preocupação sobre o impacto econômico do Brexit, não há indícios de uma mudança significativa na opinião pública”, diz Daniel Capparelli, economista da consultoria britânica Global Counsel. A menos de um ano para a saída efetiva do Reino Unido do bloco, programada para 29 de março de 2019, as negociações para o Brexit ainda não avançaram.

Referendo já: o Best For Britain, liderado por Mark Malloch-Brown, tenta lançar uma nova consulta popular (Crédito:Divulgação)

Sem acesso ao mercado comum europeu, a economia britânica poderá encolher até 5,1%, até 2030 (veja quadro). “O Brexit não é positivo e, em todos os possíveis cenários analisados, há perdas”, diz Ben Gardiner, diretor da Cambridge Econometrics, que coordenou um estudo encomendado pelo prefeito de Londres, Sadiq Khan. Em meio a esse quadro catastrófico para a economia, o governo britânico tenta se aproximar da China, a segunda maior economia mundial. No início de fevereiro, a primeira-ministra Theresa May fez uma visita oficial ao país e disse que queria “reforçar a idade de ouro” entre Pequim e Londres, numa referência à definição do ex-chanceler George Osborne, que usou essa expressão durante uma visita do presidente Xi Jinping a Londres, em 2015.

Nesse período, o investimento chinês no país só cresceu. Em 2016, ano do referendo do Brexit, a China investiu US$ 11,15 bilhões no Reino Unido, de acordo com a Henry Jackson Society, mais do que o dobro do ano anterior. Em uma década, o investimento chinês no país chega a US$ 47,4 bilhões, quase o dobro do investido nos demais países europeus. “Uma aproximação comercial com os chineses não deveria surpreender, afinal, a China é a maior exportadora e a segunda maior importadora mundial hoje”, diz Roberto Azevêdo, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Aposta milionária: o megainvestidor George Soros doou US$ 560 mil para o Best For Britain, uma organização que faz campanha para manter o Reino Unido na União Europeia (Crédito:AFP Photo / Fabrice Coffrini)

Especialistas alertam que mesmo um acordo com a China não seria capaz de diminuir os impactos econômicos da saída da União Europeia. A perspectiva é de uma perda de até US$ 70 bilhões em investimentos e 500 mil empregos, até 2030. “O investimento chinês no Reino Unido ainda é pequeno, diz Kerry Brown, professor de política chinesa no Kings College London. Se fosse subir cem vezes, ainda não substituiria a União Europeia ou os Estados Unidos.”O cenário de incerteza e instabilidade no Reino Unido já fez com que alguns países ligassem o sinal de alerta para May. O representante diplomático do Japão em Londres, Koji Tsuruoka, reforçou que as multinacionais japonesas vão abandonar o país se Brexit não for lucrativo para as empresas.

O governo japonês enviou uma carta à May após o referendo de 2016 pedindo que ela mantivesse o Reino Unido no mercado comum e na união aduaneira, um acordo que geraria menos danos ao país e às empresas. Essa hipótese já foi descartada pela primeira-ministra. “As companhias precisam de clareza, certezas e previsibilidade”, disse Tsuruoka em relação a falta de esclarecimento do governo britânico sobre as negociações para o Brexit. Com um governo enfraquecido e um país dividido pela decisão de deixar a União Europeia, May precisa escolher um caminho que leve os britânicos ao crescimento. Antes que Soros promova uma nova quarta-feira negra.