Costumo dizer que sou reducionista no particular e não sou no público. Um pouco como um amigo que se diz ótimo para consumo externo, mas péssimo para consumo interno. Não há como escapar que a contemporaneidade é um corpus complexo. Mas tento ter uma resposta clara, curta e objetiva para cada questão saída dessa complexidade. No meu time, eu escalaria facilmente António Damasio (1944) e René Descartes (1596-1650). Para jogarem lado a lado. Por esse motivo não dá para ser condescendente com o padrão “ataques-e-recuos”. Presidenciais ou não. Uma coisa é evoluir, ou mudar de ideia. Outra é ser canalha. O modus operandi de Bolsonaro é equivalente ao daquele chefete da firma que esculacha no meio de todo mundo e pede desculpas no café — “Estava nervoso”. É uma covardia no mundo corporativo. É uma nojeira na cadeira de presidente da República.

No fundo, e na superfície, trata-se de uma questão ética. Claro que falar de ética envolveria milhares de milhões de tratados. Serei reducionista. Ética é não fazer o que você acredita que o outro não deve fazer. Posso parar o carro na sua porta ‘por um minutinho’? Posso contratar um cara para o gabinete e ficar com parte do salário dele? Posso conseguir atestado de alguma comorbidade para furar fila da vacina? Posso fazer um edital dirigido para o ensino público em que algumas escolas receberiam o equivalente a mais de 100 laptops por aluno? A resposta ética é não. Não pode.

Nossa economia não sairá do lodo sem que a ética prevaleça. “Vamos desregulamentar a legislação trabalhista?” Vamos! “Vai gerar empregos.” Uau!, que legal. Jogamos direitos adquiridos no lixo para minimizar a legião de 14,4 milhões de pessoas sem trabalho. A mim está ok. Mas então vamos igualmente tirar direitos adquiridos da elite do funcionalismo público? “Ah, aí não.” Ué!? Desregulamentar trabalhador comum pode. Desregulamentar auxílio moradia e salários acima do teto não pode? “Mas está na lei. É direito adquirido.” Pode ser, mas não é legítimo. Igualmente já esteve na lei ter escravos. Direito adquirido. Só que nunca foi legítimo. De forma reducionista, isso é uma discussão ética, e não técnica — apesar de ser estética.

Vejo apenas uma saída. Reducionista, claro. O consumidor. Não qualquer um, mas o da chamada Gen Z. A turma que tem no máximo 25 anos. Prefiro chamar de consumidor do que cidadão, porque no Brasil cidadania sempre esteve à venda na xepa da feira. São eles que vão forçar as empresas, e por tabela o mundo político, a construir comportamentos que tenham propósito.

Acredito numa certa Era Patagonia. A marca americana de roupas que há dez anos veiculou para uma Black Friday o célebre anúncio “não compre esta jaqueta”, elencando quanto de água ou de CO2 se levou para produzi-la. É evidente que o subtexto era “não compre esta jaqueta (caso não precise dela)”. A mesma Patagonia que no ano passado produziu uma linha de peças com etiquetas contendo a frase “vote the assholes out”, algo como “não eleja babacas”. Assim como há dois anos a Coca-Cola teve posicionamento ideológico firme e transparente ao reagir ao governo húngaro, que pedia boicote aos produtos da empresa por ter veiculado uma campanha com casais homossexuais. Uma nova ética no mundo produtivo que tem condições de invadir o mundo da política.

A economia ainda é majoritariamente movida pela chamada Ética de Friedman. O Milton. Pai da Escola de Chicago. Seu artigo visceral sobre a questão foi escrito exatamente há 51 anos, publicado dia 13 de setembro de 1970 no The New York Times sob o título A Responsabilidade Social das Empresas É Aumentar os Lucros. Os executivos, dizia, devem “conduzir os negócios de acordo com seus desejos, o que geralmente será ganhar o máximo de dinheiro possível e, ao mesmo tempo, obedecer às regras básicas da sociedade, tanto aquelas consagradas na lei quanto nos costumes éticos”. Friedman foi genial. E provavelmente hoje revisitasse, com brilho, o que disse em 1970. Mas se ficasse parado no que escreveu estaria terrivelmente na cadeira de Paulo Guedes: no atraso.

Não se trata de ingenuidade. Desde a matança de Brumadinho em janeiro 2019 (270 mortos e 11 desaparecidos), as ações da Vale subiram 65%. E uma revisitada ao excelente documentário Inside Job/Trabalho Interno, de 2010, vencedor do Oscar em 2011, ajuda a não esquecer que o crime na maioria das vezes compensa. Trata-se de não aceitar a ideia de que um país conduzido por um desequilibrado terá futuro econômico. Porque a fé de Paulo Guedes para mim não passa de má-fé. E, no fim das contas, em qualquer eleição meu reducionismo será o reducionismo de todos. Em segundo turno não há terceira via. Há dois nomes lá. Na última, esse nomes eram de um professor (que se submetia a usar máscara do Lula) versus o salvador da Pátria (que dizia que uma colega deputada não servia nem para ser estuprada). Podia não querer o primeiro, mas não tive dúvidas de abominar o segundo. É a ética, stupid!

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.