L obos são animais leais e territoriais. As alcateias costumam demarcar e até rondar o perímetro onde vivem para garantir a soberania da espécie. Classificada por seu fundador, Ren Zhengfei, como um “um lobo chinês”, a Huawei se encaixa bem nessa descrição. Líder de vendas em seu país de origem e segunda maior fabricante de celulares do mundo, a empresa comercializou 52 milhões de smartphones no terceiro trimestre deste ano, de acordo com dados da consultoria americana IDC. São números que mostram que a gigante com sede em Shenzhen, no sul da China, sempre defendeu com unhas e dentes (ou com tecnologia e inovação) o seu protagonismo oriental, mesmo sem parecer preocupada com outros mercados. Isso mudou. E a virada aconteceu no segundo trimestre de 2018, quando pela primeira vez na história as vendas dos celulares da marca bateram as de iPhones e escalaram o segundo lugar do ranking mundial, atrás apenas da Samsung.

Guerra comercial: o novo escândalo da huawei coloca mais lenha na disputa travada entre os presidentes xi jinping (à esq.) e donald trump (Crédito:Carlos Barria)

Foi o bastante para começar uma guerra. Por isso, parece improvável que a prisão no começo do mês da vice-presidente financeira da corporação, Meng Whanzhou – filha do fundador –, seja mera coincidência. A executiva foi detida no Canadá a pedido dos Estados Unidos sob a acusação de que a empresa burlou sanções impostas pelos americanos contra o Irã. Como o especialista em economia e política internacional Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, escreveu recentemente, instituições como JP. Morgan Chase, Bank of America, Wells Fargo, Banco do Brasil, Societé Générale, HSBC, Commerzbank e inúmeras outras fizeram a mesma coisa que a Huawei — e ninguém foi preso. Na terça-feira 11, Meng Whanzhou saiu sob fiança de US$ 10 milhões para aguardar o julgamento em liberdade.

Nova estratégia O apetite da Huawei pelo mercado ocidental traz, agora, outra abordagem. Se antes a empresa apostava em modelos mais populares, em temporadas recentes seu investimento em tecnologia transformou alguns itens da marca em iguarias aos olhos ocidentais. Um exemplo: o smartphone P20 Pro, classificado como o modelo com a melhor câmera do planeta, utiliza lentes produzidas pela icônica marca alemã Leica. Decisões como essa colocaram os produtos da companhia entre os mais vendidos no mercado europeu, transformando a Huawei em uma pedra no sapato para as líderes Apple e Samsung.

Ao mesmo tempo, começaram a pipocar acusações de espionagem e de conspiração contra a empresa. Na Austrália e na Nova Zelândia, a companhia foi proibida de fornecer projetos de infraestrutura para a internet 5G. Na sexta-feira 7, Andrus Ansip, vice-presidente da Comissão Europeia, mostrou que o Velho Continente também está desconfortável. “Nós temos que nos preocupar com a Huawei e com outras empresas chineses? Eu acho que sim.”

O governo chinês reagiu. De outro lado do globo veio um alerta para que o Canadá soltasse rapidamente Meng, caso contrário haveria sérias consequências — o que em linguagem diplomática é uma advertência pesada. O governo do presidente Xi Jinping também suspendeu a ida de uma missão comercial canadense ao país e deteve Michael Kovrig, ex-embaixador do Canadá em Pequim, cujo paradeiro ainda é desconhecido. O presidente americano, Donald Trump, imediatamente entendeu os recados e disse à agência Reuters na terça-feira 11 que poderá intervir de forma direta pela liberação da executiva chinesa.

Incerteza brasileira O Brasil sente os solavancos da briga global. Embora esteja estabelecida no País desde 2002 com serviços de infraestrutura, a Huawei não consegue vingar o seu principal braço por aqui. Em 2014, a companhia encerrou sua divisão móvel após um fraco desempenho nas vendas. Uma nova tentativa foi feita em 2015, mas também sem sucesso. A esperança de que isso mudaria veio neste ano. Em agosto, a gigante chinesa firmou uma parceria com a Positivo para comercializar seus aparelhos no País. A expectativa era ganhar 1% do mercado de 47,7 milhões de aparelhos. Notícias recentes, no entanto, apontam que o acordo entre as duas companhias está em risco. À DINHEIRO, a gigante chinesa afirmou que não comenta rumores e especulações. Já a Positivo disse que “diante de todos os acontecimentos recentes, ainda está em fase de discussão com a Huawei sobre como será a eventual entrada no Brasil.”

Quarto maior mercado de smartphones do planeta, o Brasil é estratégico para a conquista do ocidente. Se não conseguir colocar seus celulares nas lojas brasileiras, o CEO da companhia, Richard Yu, sabe que muito provavelmente poderá dizer adeus às previsões otimistas que fez quando a empresa ultrapassou a Apple no ranking global. “Em 2019, é possível nos tornarmos a primeira colocada.” Por ora, somente em polêmicas.